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| - (POEMETO) Et terra erat inanis et vacua. 'Stavam ha muito ali. O velho Cahos, O oleiro do infinito, que entre as duas Mãos — o tempo e o espaço — os amassára, Cansou por fim tambem de fazer mundos, Não tendo já mais barro, nem mais raios Com que o barro pintar. Ora, limpando As mãos, que estavam sujas do trabalho, E esfregando uma palma contra a outra, Soprou depois os restos, sem vêr onde, Por esse abysmo além. O pó soprado, informe bola escura, Como filho engeitado, que se esconde Pela sombra dos muros, foi rolando Pelos cantos do espaço, involto em trevas... Que o não vissem os sóes.
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abstract
| - (POEMETO) Et terra erat inanis et vacua. 'Stavam ha muito ali. O velho Cahos, O oleiro do infinito, que entre as duas Mãos — o tempo e o espaço — os amassára, Cansou por fim tambem de fazer mundos, Não tendo já mais barro, nem mais raios Com que o barro pintar. Ora, limpando As mãos, que estavam sujas do trabalho, E esfregando uma palma contra a outra, Soprou depois os restos, sem vêr onde, Por esse abysmo além. Oh pó de mundos! Migalha dos banquetes do Principio! Triste parto das sombras, atirado Sobre o berço de luz do firmamento! Morcêgo horrivel, meio tonto e cego, Cahido no salão de lustres de astros! O pó soprado, informe bola escura, Como filho engeitado, que se esconde Pela sombra dos muros, foi rolando Pelos cantos do espaço, involto em trevas... Que o não vissem os sóes. Imagem:Separator.jpg Os grandes astros Como um viveiro immenso de fulgores Atiravam, de sol em sol, as notas Do eterno concerto... Imagem:Separator.jpg O feio, ebrio da mesma fealdade! O mal, possesso do seu mal! As trevas Cheias de medo de se vêr tão negras! E o firmamento arfava n'um delirio De harmonia e ventura! O espaço ardente Suava luz — girando no infinito — Pelos póros do céo... que são estrellas. Imagem:Separator.jpg Imagem:Separator.jpg Os outros riam. Imagem:Separator.jpg Imagem:Separator.jpg Todo o céo se inclinava, incendiado N'uma aurora boreal prodigiosa, Vendo o truão horrivel do infinito! Imagem:Separator.jpg Ouviu-se desde baixo Vir subindo um suspiro — e quantos éccos Da antiga confusão ha 'hi no espaço: E todas as tristezas que ficaram Dos combates de outr'ora: e os soffrimentos De quantas luctas houve, antes do tempo: E essas mil dôres, e essas mil torturas, Que custou cada sol: todo esse inferno De negrumes, que o céo lançou, despindo-os, Quando quiz ser só luz... de ais e gemidos Quando quiz ser só canto... a parte infame Que na injusta partilha coube ao Abysmo... Tudo isto, no suspiro do captivo, — Triste, mas grave; queixa, mas não súpplica... Antes accusação, — na voz debaixo Tudo isto ali subiu! Imagem:Separator.jpg Imagem:Separator.jpg Imagem:Separator.jpg O Abysmo horrivel Sentiu que seus mil males vacillavam, Sobre a base da eterna injúria, e se íam Co' esse sôpro de amor. — E estranho, e pávido, Duvidou se soffria e teve, em sonho, Como visões do céo d'onde o lançaram... E quasi perdoou... 'Stava adorando! Imagem:Separator.jpg Imagem:Separator.jpg E a Terra informe viu. Imagem:Separator.jpg Ao longe, ao longe, ao longe, 'Té aonde a visão abre os espaços, A orla do infinito radiava. Imagem:Separator.jpg E a Mão passou em face das estrellas... Mas não as viu. — Passou o grande côro Dos sóes... e não os viu. — A via-lactea... E não a viu. — E foi seguindo ávante. Imagem:Separator.jpg Imagem:Separator.jpg Imagem:Separator.jpg E a Mão descia. Imagem:Separator.jpg E a Terra negra olhava-a, Como um selvagem um espelho; o susto Co'o prazer inefavel combatiam-se Lá dentro... e a massa informe estremecia. Convulsa se agitava. Fascinada Parecia recuar... e approximava-se! E, n'um ultimo esfôrço, dando um salto Enorme, por fugir — cahiu no centro D'aquella Mão. Imagem:Separator.jpg Imagem:Separator.jpg E consultaram. Imagem:Separator.jpg E entre os dedos D'onde — bem como um sapo entre os dois seios De uma virgem — a Terra olhava o espaço, Pareceram-lhe ao longe os grandes astros Como pontinhos negros. Um segundo Roubado á eternidade é quanto basta, Quer se seja morrão, quer seja estrella. Imagem:Separator.jpg Imagem:Separator.jpg Imagem:Separator.jpg Rolou no espaço. E o Sol altivo Fallou e disse: — Eu vejo-lhe no dorso Uma mancha de luz — a Natureza! E a Lyra disse: — Eu vejo-lhe outra fórma Resplendente — é Idéa! E Vesper disse: — Eu vejo-lhe um signal de affago — é Alma! E Venus disse: — Eu vejo reluzir-lhe Uma cicatriz de luz — é Amor! E disse, Então, o Sete-estrello: — Eu adoro-lhe Como o sitio de um beijo do Eterno... — É Immortalidade! Imagem:Separator.jpg Imagem:Separator.jpg Bussaco, Outubro de 1863.
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