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  • Fermosa e gentil dama
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  • Se porventura vivo descontente por fraqueza d'esprito, padecendo a doce pena que entender não sei, fujo de mim e acolho-me, correndo, à vossa vista; e fico tão contente que zombo dos tormentos que passei. De quem me queixarei se vós me dais a vida deste jeito nos males que padeço, senão de meu sujeito, que não cabe com bem de tanto preço? Mas inda isso de mim cuidar não posso, de estar muito soberbo com ser vosso. Se com razões escuso meu remédio, sabe, Canção, que porque não vejo, engano com palavras o desejo.
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  • Fermosa e gentil dama
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Autor
  • Luís Vaz de Camões
abstract
  • Se porventura vivo descontente por fraqueza d'esprito, padecendo a doce pena que entender não sei, fujo de mim e acolho-me, correndo, à vossa vista; e fico tão contente que zombo dos tormentos que passei. De quem me queixarei se vós me dais a vida deste jeito nos males que padeço, senão de meu sujeito, que não cabe com bem de tanto preço? Mas inda isso de mim cuidar não posso, de estar muito soberbo com ser vosso. Se, por algum acerto, Amor vos erra por parte do desejo, cometendo algum nefando e torpe desatino, se ainda mais que ver, enfim, pretendo, fraquezas são do corpo, que é de terra, mas não do pensamento, que é divino. Se tão alto imagino que de vista me perco (peco nisto), desculpa-me o que vejo; que se, enfim, resisto contra tão atrevido e vão desejo, faço-me forte em vossa vista pura, e armo-me de vossa fermosura. Das delicadas sobrancelhas pretas os arcos com que fere, Amor tomou, e fez a linda corda dos cabelos; e porque de vós tudo lhe quadrou, dos raios desses olhos fez as setas com que fere quem alça os seus, a vê-los. Olhos que são tão belos dão armas de vantagem ao Amor, com que as almas destrui; porém, se é grande a dor, co a alteza do mal a restitui; e as armas com que mata são de sorte que ainda lhe ficais devendo a morte. Lágrimas e suspiros, pensamentos, quem deles se queixar, fermosa Dama, mimoso está do mal que por vós sente. Que maior bem deseja quem vos ama que estar desabafando seus tormentos, chorando, imaginando docomente? Quem vive descontente, não há-de dar alívio a seu desgosto, porque se lhe agradeça; mas com alegre rosto sofra seus males, para que os mereça; que quem do mal se queixa, que padece, fá-lo porque esta glória não conhece. De modo que, se cai o pensamento em algüa fraqueza, de contente, é porque este segredo não conheço; assi que com razões, não tão somente desculpo ao Amor do meu tormento, mas ainda a culpa sua lhe agradeço. Por esta fé mereço a graça, que esses olhos acompanha, o bem do doce riso; mas, porém, não se ganha cum paraíso outro paraíso. E assi, de enleada, a esperança se satisfaz co bem que não alcança. Se com razões escuso meu remédio, sabe, Canção, que porque não vejo, engano com palavras o desejo.
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