About: dbkwik:resource/rZ1wtp-ergYMYrp_aS7cFQ==   Sponge Permalink

An Entity of Type : owl:Thing, within Data Space : 134.155.108.49:8890 associated with source dataset(s)

AttributesValues
rdfs:label
  • Dona Eulália
rdfs:comment
  • Quando cheguei, a casa mortuária estava cheia de gente. No centro da sala, forrada de preto, havia uma essa entre quatro enormes tochas acesas, e sobre a essa um caixão, dentro do qual D. Eulália dormia o último sono. Já tinha passado a hora do saimento. Faltava apenas o padre. O padre não aparecia. O viúvo, comovido, mas calmo, perfeitamente calmo, perguntou a um parente, que pelos modos tinha se encarregado do enterro: — Então?.. . esse padre?.. — Já cá devia estar. O Tio Eusébio quer que eu vá buscá-lo? — É favor, Casuza. E o parente saiu muito apressado. Imagem:Separator.jpg Imagem:Separator.jpg
dcterms:subject
dbkwik:resource/RQXmPcyd2wFf2CmVCz207g==
  • Dona Eulália
dbkwik:pt.poesia/p...iPageUsesTemplate
Autor
  • Artur de Azevedo
abstract
  • Quando cheguei, a casa mortuária estava cheia de gente. No centro da sala, forrada de preto, havia uma essa entre quatro enormes tochas acesas, e sobre a essa um caixão, dentro do qual D. Eulália dormia o último sono. Já tinha passado a hora do saimento. Faltava apenas o padre. O padre não aparecia. O viúvo, comovido, mas calmo, perfeitamente calmo, perguntou a um parente, que pelos modos tinha se encarregado do enterro: — Então?.. . esse padre?.. — Já cá devia estar. O Tio Eusébio quer que eu vá buscá-lo? — É favor, Casuza. E o parente saiu muito apressado. Dez minutos depois, o Ensébio aproximou-se de mim e disse-me baixinho: — E nada de padre! Estava escrito que este dia não passava para mim sem alguma contrariedade... Imagem:Separator.jpg Justifiquemos esse grito do coração. O Eusébio não foi um marido feliz; D. Eulália, que tinha muito mau gênio, transformara-lhe a vida num verdadeiro inferno. O pobre homem não tinha voz ativa dentro de casa; era repreendido como um fâmulo quando entrava mais tarde; devia dar contas de um níquel, de um miserável níquel que lhe desaparecesse do bolso! Apesar de casado havia já quinze anos, ele não se pudera habituar a essa existência ridícula, e sentia-se envelhecer prematuramente na alma e no corpo. Não tinha filhos, - e era melhor assim, porque com certeza, D. Eulália não lhos perdoaria. Pensava bem: pudesse ela contrariar a natureza, e fecundá-lo-ia, para humilhá-lo ainda mais! Imagem:Separator.jpg Durante os primeiros tempos de regime conjugal, o Eusébio tentou reagir contra o mau gênio de D. Eulália; num dia, porém, que lhe falou mais alto e lhe bateu o pé, recebeu em troca uma tremenda bofetada, cujo estalo ressoou em todo o quarteirão. Durante quinze dias a vizinhança não se ocupou de outra coisa. O marido que apanha da cara metade está perdido; o que apanha e chora, está irremessivelmente perdido. O Eusébio apanhou e chorou... Daquele dia em diante foi-se-lhe toda a autoridade marital: tornou-se em casa um manequim, um pax vobis, um joão-ninguém. Era, entretanto, um homem simpático, virtuoso, apreciadíssimo por numerosos amigos e muito conceituado na repartição de onde tirava o necessário para que nada faltasse a D. Eulália. Imagem:Separator.jpg De todas as maçadas a que estava afeito o nosso Eusébio, nenhuma o ralava tanto como a de procurar cozinheira, o que lhe acontecia a miúdo, porque, graças ao mau gênio da dona da casa, a cozinha estava constantemente abandonada. Como as impertinências de D. Eulália já tinham fama no bairro, e nenhuma criada queria servir aquela ama, o Eusébio era obrigado a procurar cozinheira muito longe de casa. O que ele queria era alugá-la, mas bem sabia que, na venda, a recém-chegada seria logo posta ao corrente de tais impertinências. Imagem:Separator.jpg Um dia o pobre marido foi muito cedo arrancado da cama pela mulher. — Levante-se, tome banho, vista-se e vá procurar uma cozinheira! — Quê!... pois a Maria...? — Acabo de pô-la no olho da rua! — Por quê? — Não é da sua conta! Mexa-se!... — Uma cozinheira que não estava em casa há oito dias!... — Basta de observações! Quem manda aqui sou eu! Vamos! vista-se! E nada de agências, hem? olhe que se me traz cozinheira de agência, não passa da porta da rua! Imagem:Separator.jpg Nesse dia o Eusébio teria purgado todos os seus pecados, se os tivera, e se D. Eulália não fosse já um purgatório bastante. O pobre-diabo, que morava no Rio Comprido, foi, levado por informações, procurar uma cozinheira em São Francisco Xavier. Já estava alugada; entretanto, lá lhe disseram que no Morro do Pinto havia outra, muito boa, que lhe devia servir. O desgraçado almoçou numa casa de pasto, encheu-se de coragem e subiu o Morro do Pinto. A cozinheira não estava em casa; tinha ido passar uns dias com uma parenta, na Rua de Sorocaba, em Botafogo; mas um vizinho aconselhou o Eusébio a que não adiasse a diligência; a mulher trabalhava primorosamente em forno e fogão, era morigerada e estava morta por achar emprego. Abalou o Eusébio para Botafogo, e encontrou, efetivamente, a mulher na Rua de Sorocaba, em casa da parenta, pronta já para sair. Por pouco mais, a viagem teria sido baldada. Era uma mulata quarentona, muito limpa, de um aspecto simpático e humilde, que à primeira vista inspirava certa confiança. Ela, pelo seu lado, simpatizou com o Eusébio, a julgar pela prontidão com que se ajustaram. — Bem; amanhã lá estarei, meu patrão. — Amanhã, não: há de ser hoje, porque se entro em casa sem cozinheira, minha mulher... O Eusébio interrompeu-se - ia deitando tudo a perder, - e emendou: ... minha mulher, que é muito boa senhora, mas nem sempre acredita no que eu digo, há de supor que me remanchei. — Nesse caso, meu patrão, é preciso que eu vá primeiramente ao Morro do Pinto. — Pois vamos ao Morro do Pinto... respondeu resignado o resignado Eusébio. Imagem:Separator.jpg Era quase noite fechada, quando o infeliz marido, fatigadíssimo, doente, sem jantar, entrou em casa acompanhado da mulata. D. Eulália recebeu-o com duas pedras na mão: — Onde esteve o senhor metido até estas horas? oh! que coisa ruim... que homem insuportável... Só a minha paciência!... — A senhora não calcula como me custou encontrar esta mulher, mas, enfim... parece que desta vez ficamos bem servidos. — Pois sim, resmungou D. Eulália, - vão ver que é alguma vagabunda! E, voltando-se para a mulata, disse-lhe com a sua habitual arrogância: — Chegue-se mais! Não gosto de gritar e quero que me ouçam! A cozinheira aproximou-se com um sorriso humilde de subalterna. — Como se chama? perguntou D. Eulália. — Eulália. — Eulália?! — Eulália, sim, senhora! — Eulália?! Rua! Rua! E voltando-se para o marido: — Pois o senhor tem a pouca vergonha de trazer para casa uma cozinheira com o mesmo nome que eu? Que desaforo!... — Mas, senhora. — Cale-se! Não seja burro! Imagem:Separator.jpg Creio que o Eusébio está justificado: a morte de D. Eulália não poderia contrariá-lo. (Contos Fora da Moda)
Alternative Linked Data Views: ODE     Raw Data in: CXML | CSV | RDF ( N-Triples N3/Turtle JSON XML ) | OData ( Atom JSON ) | Microdata ( JSON HTML) | JSON-LD    About   
This material is Open Knowledge   W3C Semantic Web Technology [RDF Data] Valid XHTML + RDFa
OpenLink Virtuoso version 07.20.3217, on Linux (x86_64-pc-linux-gnu), Standard Edition
Data on this page belongs to its respective rights holders.
Virtuoso Faceted Browser Copyright © 2009-2012 OpenLink Software