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  • A Divina Comédia/Purgatório/XVII
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  • Lembra que, quando a úmida e sombria Cortina a delgaçar começa, a esfera Do sol escassa luz ao ar envia. E mal tua mente imaginar pudera Como de novo à vista se mostrava O sol, que ao seu poente descendera. Ao lume, que nos planos se finava, Do Mestre os passos fido acompanhando Saí da cerração, que me cercava. Fantasia que, o espírito enlevando, Tanto o homem dominas, que não sente Clangor de tubas mil, juntas soando, O que te move, estando o siso ausente? Luz que desce por si, no céu formada, Ou por querer do céu onipotente. Sem te eu dizer, dar-te-á conhecimento.” —
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  • Purgatório, Canto XVII
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  • por Dante Alighieri, tradução de José Pedro Xavier Pinheiro
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  • Lembra que, quando a úmida e sombria Cortina a delgaçar começa, a esfera Do sol escassa luz ao ar envia. E mal tua mente imaginar pudera Como de novo à vista se mostrava O sol, que ao seu poente descendera. Ao lume, que nos planos se finava, Do Mestre os passos fido acompanhando Saí da cerração, que me cercava. Fantasia que, o espírito enlevando, Tanto o homem dominas, que não sente Clangor de tubas mil, juntas soando, O que te move, estando o siso ausente? Luz que desce por si, no céu formada, Ou por querer do céu onipotente. Cuidei súbito ver a que mudada, Dos crimes seus em pena, foi nessa ave, Que em trinar mais se mostra deleitada. Tanto minha alma, na visão suave, Extática ficou, que não sentia Outra impressão qualquer que a prenda e trave. Naquele êxtase logo após eu via Em cruz um homem de feroz semblante: Nem a morte a arrogância lhe abatia: Stava o grande Assuero não distante, Ester, a esposa e Mardoqueu prudente, Justo nos feitos, no dizer prestante. E fugiu-me esta imagem prontamente, Como a bolha, que de água se formara E à falta de água esvai-se de repente. Donzela eis na visão se me depara Que em prantos exclamava: — “Ó mãe querida Por que tomaste irosa a morte amara? “Perdes, por não perder Lavínia, a vida E perdida me tens: teu fim deplora, Mas não o de outro, a filha dolorida.” — Como se rompe o sono, se de fora Luz repentina às pálpebras nos desce; Não morre logo, em luta se demora: Minha visão assim se desvanece, Quando as faces clarão tão vivo lava, Que na terra outro igual nunca esclarece. Volvi-me para ver onde me achava; Mas, ouvindo uma voz — “Sobe esta escada” — De qualquer outro intento me apartava. Por saber quem falara foi tomada Minha alma de um desejo tão veemente, Que fora, se o não viesse, conturbada. Como ao sol, que deslumbra em dia ardente, Sendo-lhe véu seu lume flamejante, Senti perdida a força incontinênti. — “Espírito é celeste: vigilante Sem rogos, o caminho nos indica: O próprio brilho esconde-o fulgurante. “Como o homem consigo, assim pratica; Quem, mal extremo vendo, só rogado Acode, esquivo ser já significa. “A tal convite o pé seja apressado! Antes da noite rápidos subamos; Depois somente quando o sol for nado.” — Disse o meu Guia; e logo encaminhamos Os passos, de uma escada em direitura. Ao primeiro degrau quando chegamos Mover de asas ao perto se afigura, Bafejo sinto; e ouço: — “É venturoso Quem ama a paz, isento de ira impura!” — No alto já do céu o luminoso Rasto, da noite precursor, surgira, De astros assoma o exército formoso. — “Ai de mim! Por que a força minha expira?” Disse, entre mim, sentindo que, esgotada, Súbito às pernas o vigor fugira. Tendo alcançado o topo já da escada, Imóveis nos quedamos, imitando A nau, que aferra a praia desejada. A escutar stive um pouco, interrogando Daquele novo círc?lo algum sonido; Depois ao Mestre me voltei falando: — “No lugar em que estamos, pai querido, Que pecado recebe a pena sua? Parando os pés, teu verbo seja ouvido.” Tornou-me: — “Se do bem o amor recua No seu dever, aqui se retempera; Sobre o remisso a expiação atua. “Por melhor compreenderes, considera No que digo: a detença, porventura, Dará o fruto, que tua mente espera. “Ao Criador, meu filho, e à criatura Nunca falece amor — tens já sabido — Ou venha da alma ou venha da natura. “O amor natural de erro é despido; Pode pecar o outro pelo objeto, Por nímio ardor, por star arrefecido. “Quando aos bens principais ele é direto E nos bens secundários moderado, Causar não pode criminoso afeto. “Se ao mal, porém, se torce ou, desregrado, De menos ou de mais ao bem se move, Ofende ao Criador quem foi criado. “Tens, pois, o necessário, que te prove Que amor em vós semente é de virtude, Como é dos feitos, que o céu mais reprove. “E como o amor o bem somente estude Do seu sujeito, quando o amor domina, Não pode ser que em ódio a si se mude. “E porque nenhum ente se imagina Sem ter no que criou a causa sua, Ódio em nenhum contra este se origina: “Contra o próximo é, pois, que se insinua Do mal o amor, pecaminoso. No humano limo em modos três atua. “Qual, da grandeza, e glória cobiçoso, As espera em ruína de outro, e anela Vê-lo em terra prostrado e desditoso; “Qual, temor de perder, triste, revela Valia, honra e poder, se outro os partilha E em querer-lhe o contrário se desvela; “Mágoa sentindo de uma injúria filha, Qual porfia em vingar-se, e, de ira ardendo, De mal fazer os meios esmerilha. “Do mal este amor tríplice nascendo, Lá embaixo se expia; mas atende Ao que vai desregrado, ao bem correndo. “Confusamente cada qual se acende Por certo bem e sôfrego o deseja: Por ter-lhe a posse, afana-se e contende. “O que do bem no amor inerte seja Depois que do pesar sofrerá agrura, É justo que em martírio aqui se veja. “Há outro bem; não dá, porém, ventura. Felicidade não é, não é a essência De todo o bem, o fruto, a raiz pura. “O amor, que a tal bem vota a existência, Acima em círc?los três há seu tormento: Por que assim se divide, a inteligência, Sem te eu dizer, dar-te-á conhecimento.” —
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