rdfs:comment
| - Quem foi que viu a minha Dor chorando?! Saio. Minh'alma sai agoniada. Andam monstros sombrios pela estrada E pela estrada, entre estes monstros, ando! Não trago sobre a túnica fingida As insígnias medonhas do infeliz Como os falsos mendigos de Paris Na atra rua de Santa Margarida. O quadro de aflições que me consomem O próprio Pedro Américo não pinta... Para pintá-lo, era preciso a tinta Feita de todos os tormentos do homem! Como um ladrão sentado numa ponte Espera alguém, armado de arcabuz, Na ânsia incoercível de roubar a luz, Estou á espera de que o Sol desponte! Bati nas pedras dum tormento rude
|
abstract
| - Quem foi que viu a minha Dor chorando?! Saio. Minh'alma sai agoniada. Andam monstros sombrios pela estrada E pela estrada, entre estes monstros, ando! Não trago sobre a túnica fingida As insígnias medonhas do infeliz Como os falsos mendigos de Paris Na atra rua de Santa Margarida. O quadro de aflições que me consomem O próprio Pedro Américo não pinta... Para pintá-lo, era preciso a tinta Feita de todos os tormentos do homem! Como um ladrão sentado numa ponte Espera alguém, armado de arcabuz, Na ânsia incoercível de roubar a luz, Estou á espera de que o Sol desponte! Bati nas pedras dum tormento rude E a minha mágoa de hoje é tão intensa Que eu penso que a Alegria é uma doença E a Tristeza é minha única saúde. As minhas roupas, quero até rompê-las! Quero, arrancado das prisões carnais. Viver na luz dos astros imortais, Abraçado com todas as estrelas! A Noite vai crescendo apavorante E dentro do meu peito, no combate, A Eternidade esmagadora bate Numa dilatação exorbitante! E eu luto contra a universal grandeza Na mais terrível desesperação É a luta, é o prélio enorme, é a rebelião Da criatura contra a natureza! Para essas lutas uma vida é pouca Inda mesmo que os músculos se esforcem; Os pobres braços do mortal se torcem E o sangue jorra, em coalhos, pela boca. E muitas vezes a agonia é tanta Que, rolando dos últimos degraus, O Hércules treme e vai tombar no caos De onde seu corpo nunca mais levanta! É natural que esse Hércules se estorça, E tombe para sempre nessas lutas, Estrangulado pelas rodas brutas Do mecanismo que tiver mais força. Ah! Por todos os séculos vindouros Há de travar-se essa batalha vã Do dia de hoje contra o de amanhã, Igual á luta dos cristãos e mouros! Sobre histórias de amor o interrogar-me E vão, é inútil, é improfícuo, em suma; Não sou capaz de amar mulher alguma Nem há mulher talvez capaz de amar-me. O amor tem favos e tem caldos quentes E ao mesmo tempo que faz bem, faz mal; O coração do Poeta é um hospital Onde morreram todos os doentes. Hoje é amargo tudo quanto eu gosto; A bênção matutina que recebo... E é tudo: o pão que como, a água que bebo, O velho tamarindo a que me encosto! Vou enterrar agora a harpa boêmia Na atra e assombrosa solidão feroz Onde não cheguem o eco duma voz E o grito desvairado da blasfêmia! Que dentro de minh'alma americana Não mais palpite o coração - esta arca, Este relógio trágico que marca Todos os atos da tragédia humana! Seja esta minha queixa derradeira Cantada sobre o túmulo de Orfeu; Seja este, enfim, o último canto meu Por esta grande noite brasileira! Melancolia! Estende-me a tu'asa! És a árvore em que devo reclinar-me... Se algum dia o Prazer vier procurar-me Dize a este monstro que eu fugi de casa!
|