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  • A Divina Comédia/Paraíso/XXX
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  • Quando o meio do céu, p?ra nós profundo, Tal se faz que não mostra o seu semblante Mais de uma estrela deste val ao fundo; E enquanto vem do sol a radiante Núncia, o céu olhos cerra, adormecido Um após outro até o mais brilhante: Tal o triunfo, sem cessar movido De gáudio, em torno ao Ponto deslumbroso, Que parece, contendo estar contido, Extinguiu-se aos meus olhos vagaroso. Não vendo a pompa mais, a amor cedendo, A Beatriz voltei-me fervoroso. Num só louvor eu, resumir querendo Dela o que vezes mil tenho cantado, Frustara o intento, o esforço meu perdendo. E o de Anagni será mais soterrado.” —
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  • Paraíso, Canto XXX
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  • por Dante Alighieri, tradução de José Pedro Xavier Pinheiro
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  • Quando o meio do céu, p?ra nós profundo, Tal se faz que não mostra o seu semblante Mais de uma estrela deste val ao fundo; E enquanto vem do sol a radiante Núncia, o céu olhos cerra, adormecido Um após outro até o mais brilhante: Tal o triunfo, sem cessar movido De gáudio, em torno ao Ponto deslumbroso, Que parece, contendo estar contido, Extinguiu-se aos meus olhos vagaroso. Não vendo a pompa mais, a amor cedendo, A Beatriz voltei-me fervoroso. Num só louvor eu, resumir querendo Dela o que vezes mil tenho cantado, Frustara o intento, o esforço meu perdendo. Pelo humano ideal imaginado Não seria o primor, que vi mas, creio, Gozá-lo todo, só a Deus é dado. Neste árduo passo superado, anseio: Vate jamais em trágico poema Ou cômico sentiu tamanho enleio; Quanto a vista ao clarão do sol mais trema. Tanto a memória do seu doce riso As potências do espírito me algema. Dês que vi do seu gesto o paraíso Na terra até me alçar a visão pura Meu canto renovar não foi preciso. Mas seguir-lhe a sublime formosura Nos versos meus agora não me atrevo, Como artista, que o extremo esforço apura. Beatriz, sendo tal que a deixar devo A tuba, mais que a minha, sonorosa, Enquanto esta árdua empresa ao termo levo, Com gesto e voz de guia cuidadosa, — “Ao céu que é pura luz” — disse — “ao presente Alçamo-nos da esfera mais vultosa, “Luz intelectual, de amor ardente, Amor do sumo bem, que enche a alegria; Alegria em dulçores transcendente. “Do céu verás, na santa bizarria, Uma e outra milícia: uma no aspeto Que hás de ver do final Juízo em dia.” Como aos visivos espíritos direto Relâmpago, que a ação lhes tolhe e os priva De discernir o mais patente objeto, Circunfluiu-me assim uma luz viva Com véu do seu fulgor, que me impedia Em claridade ver tanto excessiva. — “Sempre o Amor, que este céu tanto extasia, Por ser o círio à flama aparelhado, Este saudar a quem recebe envia.” — Bem não tinha estas vozes escutado, Eis senti que virtude milagrosa A força minha havia sublimado; Senti vista mais que antes poderosa E tal, que a luz mais penetrante e pura Afrontar poderia valorosa. Fúlvido lume um rio me afigura, Entre margens correndo, que esmaltava A primavera da celeste altura. Do seio essa corrente arremessava Centelhas; que entre as flores se espargiam Como rubis, que o ouro circundava. Quando ébrias de perfumes pareciam Reprofundavam na ribeira bela: Se umas entravam, outras emergiam. — “O desejo, que te urge e te desvela, De saber quanto vês maravilhado Me agrada neste excesso que revela. “Não serás em tal sede saciado Senão dessa água tendo já bebido” — Dos meus olhos o sol me há declarado. “Os topázios, que movem-se, o luzido Rio e das flores o matiz ridente Prefácio umbroso da verdade hão sido. “Não, por ser isto impenetrável à mente, Mas por defeito da fraqueza tua, Que te veda visão tanto eminente.” — Não há criança, que tão presto rua Ao seio maternal, em despertando Mais tarde do que está na usança sua, Como eu: melhor espelho desejando Fazer dos olhos, à água me inclinava, Que flui, pureza e perfeição nos dando. Das pálpebras apenas se molhava A borda, a forma, que antes vi comprida, Do rio, circular se apresentava. Como quem sob a máscara escondida A face teve e logo diferente Se mostra, essa aparência removida, Assim flores, centelhas, mais fulgente Alegria mostraram e eu já via Do céu ambas as cortes claramente, Ó de Deus esplendor, por quem já via O triunfo do reino da verdade, Dá-me valor; que eu diga o que já via. Lá alto há luz de tanta claridade, Que Deus visível faz à criatura, Que em vê-lo tem da paz a f?licidade. Ela se estende em circular figura, Tão vasta que o seu âmbito faria Ao sol desmarcadíssima cintura. Um raio era o que dela aparecia Refletido no Móbile Primeiro, A que assim vida e influxo principia. Qual em cristal do próximo ribeiro Se espelha, como para ver as flores E verdura, que o vestem, lindo outeiro, Miravam-se, da luz aos esplendores, De degraus em milhões almas tornadas Da terra para os célicos fulgores. Se claridades tantas derramadas Stão no imo degrau, como da Rosa No cimo hão de as grandezas ser esmadas? Sem turbar-me, a amplitude portentosa, Notava o qual e o quanto da alegria, Em que se enleva aquela grei ditosa. De perto, ao longe igual resplendecia; Pois onde por si mesmo Deus governa Da natureza a lei não mais regia. Ao centro áureo da Rosa sempiterna, Que em degraus dilatada rescendia Louvor ao sol da primavera eterna, Como quem cala, mas falar queria, Beatriz, me atraindo, disse: — “Atenta Dos brancos véus na imensa jerarquia “O espaço vê, que esta cidade ostenta! Quanto cada fileira está cerrada! A poucos lugar vago se apresenta. “Essa grande cadeira assinalada Já de coroa, que te move espanto, Antes de teres nesta boda entrada, “Será de Henrique excelso, que há de o manto Vestir de Augusto, para a Itália vindo Antes de afeita ao regimento santo. “Cega cobiça, a tantos iludindo, Iguais vos torna a infante, que sem tino De ama o seio não quer, fome sentindo. “Será então Prefeito no divino Foro aquele, que, oculto ou descoberto, Não há de ser de acompanhá-lo di?no. “A Deus, porém, apraz que esteja perto Tempo, em que perderá cargo sagrado! Terá com Simão Mago o lugar certo, E o de Anagni será mais soterrado.” —
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