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| - De espaço a espaço, o trem diminuía a marcha, e parava numa estação onde ficava durante alguns minutos. Havia uma lufa-lufa de passageiros que entravam e saiam, despedidas ruidosas entre os que ficavam e os que partiam; carregavam-se e descarregavam-se bagagens; e o comboio seguia de novo, correndo pelo leito da estrada, entre barrancos e matos verdes. Ao meio dia, chegou o trem a Palmares. Aí houve baldeação: os viajantes passaram-se todos para os carros de uma outra estrada de ferro, e a viagem continuou. Agora ia a linha beirando um rio. Da janela do trem, Alfredo, via-o e admirava-o. Em certos pontos, as águas muito claras, batidas de sol, corriam encachoeiradas, entre pedra, bordorinhando e espumando; além, fluíam mansamente, e o leito do rio alargava-se, formando pequenas enseadas; e, de espaço em espaço, via-se uma ilha coberta de verdura, ou uma ilhota seca, de pedra, onde a água batia raivosa. Aqui, as margens eram altas, cobertas de árvores frondosas; e Alfredo, de cima, via o rio lá embaixo, negro e fundo, formando um abismo temeroso. Mais adiante, as ribas tornavam-se baixas, e estendiam-se em frescas vargens cobertas de capim e de junco. Carlos, absorvido na sua idéia fixa, a moléstia do pai, – ia calado e pensativo, com a fronte enrugada, sem olhar os aspectos da natureza; mas, Alfredo não se fartava de gozar o espetáculo. Em certa altura, o trem passou junto, quase rente de um velho casarão em ruínas, com um alpendre na frente e as paredes velhas, esburacadas e negras, quase caindo. Um canavial, na época do corte de canas, que são transportadas para a usina num pequeno trem. — Que é isto, Carlos? – perguntou o pequeno. — Deve ser um engenho... — e porque está assim tão feio? — Porque é muito velho. — E deve ser realmente muito velho! –disse Alfredo — Esta casa deve ter mais de mil anos! — Que mil anos!? – Exclamou Carlos, rindo. — Não tem? — Está claro que não! não há casa no Brasil que tenha mil anos! pois se há pouco mais de quatrocentos anos que o Brasil foi descoberto... — Ah! sim! não me lembrava! Nesse momento, reinou repentinamente a escuridão dentro do carro. Tudo ficou inteiramente negro. Com um rumor muito mais forte, a máquina ofegava na treva. Alfredo, assombrado, agarrou-se ao braço do irmão: — Não é nada! – disse-lhe este. — estamos atravessando um túnel; sairemos já, não te assustes! De fato, instantes depois, o trem libertava-se da escuridão; e a luz do dia irradiou outra vez, iluminando a paisagem. Dentro do carro, a atmosfera estava quase irrespirável, carregada de fumaça espessa. Uma pobre preta africana, já muito velha, sentada a um canto do carro, gemia e arfava, sufocada. Carlos correu para ela, e abriu a portinhola para que ela respirasse um pouco de ar fresco e puro. A velha contemplou-o com carinho, agradeceu-lhe o serviço, e instintivamente, num impulso de gratidão, estendeu-lhe uma das mãos, com um punhado de amendoins torrados. Carlos não aceitou o presente, mas Alfredo, com um grito de alegria, deu-se pressa em recebê-lo. — É seu irmão, iôiô? – perguntou a preta. — É! — Para onde vão? — Para Garanhuns. — Ah! é a minha terra! Ainda falta muito. Carlos e a velha começaram a conversar. O menino, sempre pensando no pai, aproveitou o ensejo, que se lhe oferecia, de obter algumas informações. Mas a preta velha pouco sabia. Sabia apenas que tinham aparecido na cidade uns engenheiros; mas já não estavam lá: andavam pelos matos, construindo uma estrada, a muitas léguas de distância, no sertão bravo. Para chegar lá, seria preciso alugar animais fortes, que pudessem resistir à caminhada. Carlos, ouvindo as explicações da velha, pensava tristemente que só lhe restavam cinco mil réis... Era todo o dinheiro que possuía! Como havia de fazer, com tão pouco dinheiro, tão longa viagem? A preta falava, sem interrupção, numa tagarelice infindável, contando histórias daqueles lugares, e daquelas gentes... Vira nascer quase todo o povo que ali vivia... mas Carlos não escutava o que ela lhe dizia. Olhava com tristeza o irmãozinho, que já devia sentir fome. Como o alimentaria? como o levaria consigo, por aqueles matos afora? e onde iriam dormir, quando chegassem a Garanhuns?... Pensando nisso, quase desanimava: mas o desejo de ver o pai era tão vivo, que lhe restituía a coragem. A africana continuava a falar: de vez em quando, metia a mão num pequeno saco, e dava a Alfredo um punhado de amendoins torrados. A tarde caiu. O crepúsculo entristeceu o céu. Eram seis e meia. O trem parou na estação de Garanhuns.
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