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| - Qual seja o original. Dentro em minha alma Vejo, ó Critilo, do chileno chefe, Tão bem pintada a história nos teus versos, Que não sei decidir qual seja a cópia, Qual seja o original. Dentro em minha alma Que diversas paixões, que afetos vários A um tempo se suscitam! Gelo e tremo, Umas vezes de horror, de mágoa e susto; Outras vezes do riso apenas posso Resistir aos impulsos. Igualmente Me sinto vacilar entre os combates Da raiva e do prazer. Mas ah! que disse! Eu retrato a expressão, nem me subscrevo Ao sufrágio daquele, que assim pensa, Alheio da razão, que me surpreende. Trata-se aqui da humanidade aflita; Exige a natureza os seus deveres. Nem da mofa ou do riso pode a idéia Jamais nutrir-se, enquanto aos olhos nossos Se propõe do teu chefe a infame história. Quem me dirá que da estultice as obras Infestas à virtude e dirigidas A despertar o escândalo conseguem, No prudente varão, mover o riso? Eu veio que um Calígula se empenha Em fazer que de Roma ao Consulado, Se jure o seu cavalo por colega. Vejo que os cidadãos e as tropas arma O filho de Agripina, que os transporta Em grossos vasos sobre o Tibre e logo Por inimigos lhes assina os matos, Que atacar manda com guerreiro estrondo. Direi que me recreia esta loucura? Que devo rir-me e sufocar o pranto Que pula dos meus olhos? Não, Critilo, Não é esta a moção que n'alma provo. Por entre estes delírios, insensível, Me conduz a razão, brilhante e sábia, A gemer igualmente na desgraça Dos míseros vassalos, que honrar devem, De um tirano o poder, o trono, o cetro. Se Talia e Melpômene nos pintam, Nos seus teatros, paixões humanas, Ao ridículo gesto, ou ao semblante Da cena que o coturno me apresenta,` Eu me conformo ao interesse, quando Aborreço a maldade e quando rendo À formosa virtude os dignos votos. Despedace Medéia os caros filhos, Guise Atreu de seus netos as entranhas, Eu terei sempre horror às impiedades. Jamais da irreligião, da fé mentida Me hão-de enganar os pérfidos rebuços Ou da fingida cena os vãos adornos. Devo pois confessar, Critilo amado, Que teus escritos, de uma idade a outra Passarão, sempre de esplendor cingidos: Que a humanidade, enfim desagravada Das injúrias que sofre, por teu braços, Os ferros soltará, que desafrouxa, Tintos do fresco, gotejado sangue. Súditos infelices, que provastes Os estragos da bárbara desordem, Respirai, respirai: ao benefício Deveis do bom Critilo a paz suave, Que a vossa liberdade alegre goza, Sim, Critilo, são estes os agouros Que, lendo a tua história, ao mundo faço. De pejo e de vergonha os bons monarcas, Que pias intenções sempre alimentam, De reger como filhos os seus povos, Tocados se verão. Prudentes, sábios, Consultarão primeiro sobre a escolha Daqueles chefes, que a remotos climas Determinam mandar, deles fiando A importante porção do seu governo. Prevenidos que a vã, brutal soberba Só nas obras influi destes monstros, Pelo escrutínio da virtude espero, Que regulados os seus votos sejam. De uma estéril mortal genealogia Que o mérito produz de seus maiores, Eles, amigo, argumentar não devem Propalados talentos. A virtude Nem sempre aos netos, por herança, desce. Pode o pai ser piedoso, sábio e justo, Manso, afável, pacífico e prudente: Não se segue daí que um ímpio filho, Perverso, infame, díscolo e malvado, Não desordene de seus pais a glória. Nem sempre as águias de outras águias nascem, Nem sempre de leões, leões se geram, Quantas vezes as pombas e os cordeiros São partos dos leões, das águias partos! Para reger, ó rei, os vossos povos, Debalde ides buscar brasões e escudos Entre os vossos dinastas. Roma, Roma As fasces, as secures, mais as outras Imperiais insígnias só tirava Da provada virtude. Se das togas Distinguia uma e outra espécie, Atenas ! quem a todas o caráter dava. Igualmente civil jurisconsulto Que instruído guerreiro, era mandado Um cidadão que da província as rédeas Manejasse fiel. Daqui os Fábios, Daqui os Cipiões e os bons Emílios, Os Césares daqui, que os fastos ornam. Quão diferentes, hoje, os nossos grandes! É filho do marquês, do conde é filho, Vá das Índias reger vasto império. () Deus! e que infelices os vassalos Que tão longe do trono prostitui O vosso império aos abortivos chefes! Lá vai aquele, que de avara sede E por gênio arrastado: que tesouros Não espera ajustar! Do alheio cofre Se há-de esgotar a aferrolhada soma. Desgraçada Justiça! Da igualdade Tu não sabes o ponto: é a balança Do interesse que só por ti decide. Que despachos injustos, que dispensas. Que mercês e que postos não se compram Ao grave peso de selada firma! Outro vai que, lascivo, e desenvolto Só da carne as paixões adora e segue. Honras, decoros, vós sereis despojos Do seu bruto apetite. Em vão, cansados Pais de família, zelareis vós outros Da vossa casa o pundonor herdado. Aos vis ataques do atrevido orgulho Hão-de ceder as prevenções mais fortes; Vítimas da voraz sensualidade Vossas filhas serão, vossas mulheres. Que direi do soberbo, do vaidoso, Do colérico e de outros vários monstros, Que freio algum não conhecendo, passam A sustentar no autorizado cargo Tudo quanto a paixão lhes dita e manda! Não sofre aquele, que o vassalo oculte os cabedais que à sua indústria deve E que a seus filhos e a seus netos, possa Deixar, morrendo, uma opulenta herança. Um falso crime lhe figura, aonde Esgote as forças, que levar procura Alem das frias, apagadas cinzas. Este medita que a nobreza ilustre Sufocada se veja. A prisão dura, O distante degredo é que promete Da prevista vingança o fim prescrito. Ó senhores! ó reis! ó grandes! quanto São para nós as vossas leis inúteis! Mandais debalde, sem julgada culpa, Que o vosso chefe, a arbítrio seu, não possa Exterminar os réus, punir os impios. É c’os ministros de menor esfera Que falam vossas leis. Nos chefes vossos Somente o despotismo impera e reina. Gozar da sombra do copado tronco É só livre ao que perto tem o abrigo Dos seus ramos frondosos. Se se aparta Da clara fonte o passageiro, prova Turbadas águas em maior distancia. Mas ah! Critilo meu, que eu estou vendo, Que já chegam a ler as cartas tuas: Estes bárbaros monstros são cobertos De vivo pejo, ao ver os seus delitos, Que em tão disforme vulto, hoje aparecem. Destro pintor, em um só quadro a muitos Soubeste descrever. Sim, que o teu chefe As maldades de todos compreende. Aqui vê-se o soberbo, que pensando Do resto dos mais homens nada serem, Mais que humildes insetos, só de fúrias Nutre o vil coração e a seus pés calca A pobre humanidade. Aqui se encontra O ímpio, o libertino, que ultrajando Tudo que é sagrado, tem por timbre Ao público mostrar, que o santo culto Que nos intima a religião, somente Aos pequenos obriga, e que por arte Os conserva a ilusão no fanatismo, Porque da obediência às leis se dobrem; Aqui se acha o lascivo; é o vaidoso, ! o estúpido, enfim é o demente O que ao vivo aparece nesta empresa. Tu, severo Catão, tu repreendes Com teu mudo semblante a pátria Roma. Nem seus teatros de lascívia cheios Sofrem teus olhos nobremente irados. Pede o congresso, de terror ferido, Que o rígido censor o circo deixe Ou que se não produza a torpe cena. Este, ó Critilo, o precioso efeito Dos teus versos será, como em espelho, Que as cores toma e que reflete a imagem, Os ímpios chefes de uma igual conduta A ele se verão, sendo argüidos Pela face brilhante da virtude, Que, nos defeitos de um, castiga a tantos. Lições prudentes, de um discreto aviso, No mesmo horror do crime, que os infama, Teus escritos lhes dêem. Sobrada usura É este o prêmio das fadigas tuas. Eles dirão, voltando-se a Critilo: Quando devemos, ó censor fecundo, Ao castigado metro, com que afeias Nossos delitos, e buscar nos fazes Da cândida virtude a sã doutrina!
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