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  • A Divina Comédia/Paraíso/XXXIII
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  • “Por ti se enobreceu tanto a natura Humana, que o Senhor não desdenhou-se De se fazer de quem criou, feitura. “No seio teu o amor aviventou-se, E ao seu ardor, na paz da eternidade, O germe desta flor assim formou-se. “Meridiana Luz da Caridade És no céu! Viva fonte de esperança Na terra és para a fraca humanidade! “Há tal grandeza em ti, há tal pujança, Que quer sem asas voe o seu anelo Quem graça aspira em ti sem confiança. “Ao mísero, que roga ao teu desvelo Acode, e, às mais das vezes, por vontade Livre, te praz sem súplica valê-lo. Volvia o Amor, que move sol e estrelas.
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  • Paraíso — Canto XXXIII
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  • por Dante Alighieri, tradução de José Pedro Xavier Pinheiro
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  • “Por ti se enobreceu tanto a natura Humana, que o Senhor não desdenhou-se De se fazer de quem criou, feitura. “No seio teu o amor aviventou-se, E ao seu ardor, na paz da eternidade, O germe desta flor assim formou-se. “Meridiana Luz da Caridade És no céu! Viva fonte de esperança Na terra és para a fraca humanidade! “Há tal grandeza em ti, há tal pujança, Que quer sem asas voe o seu anelo Quem graça aspira em ti sem confiança. “Ao mísero, que roga ao teu desvelo Acode, e, às mais das vezes, por vontade Livre, te praz sem súplica valê-lo. “Em ti misericórdia, em ti piedade, Em ti magnificência, em ti se aduna Na criatura o que haja de bondade. “Esse mortal, que da ínfima lacuna Do mundo até o empíreo, passo a passo, Viu quanto a vida esp’ritual reuna, “Te exora auxílio ao seu esforço escasso: A mente sublunar lhe seja dado A Suma Dita no celeste espaço. “Eu que, no meu ardor, nunca aspirado Hei mais por mim o que em prol dele peço Meus rogos todos alço esperançado. “Te digna conseguir que o véu espesso Da humanidade sua despareça, E assim lhe seja o Sumo Bem concesso. “Depois da alta visão dá que ainda eu peça Que conserves, Rainha Onipotente, Sempre pura sua alma e ao mal avessa. “De perversas paixões guarda-o clemente: Vê Beatriz e o céu inteiro unidos, Juntando as mãos, ao voto meu fervente!” — Os olhos, que por Deus são tão queridos No santo orador fitos demonstraram Que eram seus ternos rogos atendidos. Após ao Lume eterno se elevaram, Em que, se deve crer, da criatura Olhos, em modo tal, não profundavam. E dos desejos eu, que à mor altura Suba, o ardor cessar, como devia, Senti, me apropinquando da ventura. Bernardo, me acenando, me sorria, Que para cima olhasse; mas eu estava Já por mim mesmo tal qual me queria. A vista, que em pureza sublimava, Do alto, que é por si toda a Verdade, Mais e mais pelos raios penetrava. E o que eu vi, desde então, na imensidade Transcendeu quanto o verbo humano intente: Cede a memória a tanta majestade. Qual homem, que, a sonhar, vê claramente, Depois só guarda a sensação impressa, E o mais em todo lhe não volta à mente; Tal eu; quase a visão inteira cessa. Mas no meu coração quase destila Doçura que em seu êxtase começa. Assim ao sol a neve se aniquila, Assim na leve folha, entregue ao vento, Se dispersava o orác’lo da Sibila. Flama excelsa, que o humano pensamento Excedes tanto, oh! presta ao meu, piedosa, Um pouco de inefável luzimento. E a língua minha faz tão poderosa, Que uma centelha só da tua Glória Aos pósteros transmita venturosa; Pois que, em parte surgindo-me à memória E sendo por meus versos celebrada, Melhor se entenderá tua vitória. Da luz pela agudeza suportada, Eu me perdera, creio, com certeza, Se da luz fora a vista desviada. E, recordo-me, pois mor afouteza Tomei, tanto, que face a face olhando, Encarar pude na Infinita Alteza. Tu ó Graça abundante, me animando, Olhos fitar ousei na luz eterna, A visão almejada consumando. E lá na profundeza vi que se interna Unido pelo amor num só volume O que pelo universo se esquaderna: Acidente, substância e o seu costume, Conjuntos entre si por tal maneira, Que da verdade exprimo um frouxo lume. Creio que a forma universal inteira Vi desse nó; porquanto mais ao largo Sinto, ao dizer, ledice verdadeira. Um só instante à mente dá letargo Maior, que séc’los vinte e cinco à empresa Que admirar fez Netuno a sombra de Argo. De êxtase assim minha alma toda presa, Atenta, absorta, imóvel se imergia, E sempre em contemplar mais stava acesa. E essa Luz tal efeito produzia, Que em deixá-la por ver dif’rente aspeto Consentir impossível me seria: Que o Bem da sua aspiração objeto, Todo está nela; é tudo lá perfeito, Como fora de lá tudo é defeto. Meu dizer de ora avante mais estreito Será no que recordo que o do infante Ainda ao seio maternal afeito; Não porque presentasse outro semblante A viva Luz, que a contemplar eu stava, Antes, como depois, sempre constante; Mas, como, olhando, a vista se alentava, A Imutável Essência parecia Mudar, quando só eu me transformava. Na substância profunda e clara eu via Da excelsa Luz três círc’los dicernidos Por cores três, de igual periferia, Íris de íris, um de outro refletidos Estavam, flama o têrcio parecia Spirando, por igual, de um, de outro unidos, Quanto é curta expressão! Quanto a excedia Meu pensar, ao que eu vi, este já sendo Tal, que pouco bastante não diria. Lume eterno, que a sede em ti só tendo, Só te entendes, de ti sendo entendido, E te amas e sorris só te entendendo! O girar, que, dessa arte concebido Via em ti como flama refletida, Quanto foi dos meus olhos abrangido, No seio seu da própria cor tingida A própria efígie humana oferecia: Foi nela a vista minha submergida! Geômetra, que o espírito crucia Para o cir’lo medir, em vão procura Princípio, que ao seu fim mais conviria: Assim eu ante a nova visão pura Ver anelara como a image’ humana Ao círculo se adapta e ali perdura. Às asas minhas fora empresa insana, Se clareado a mente não me houvesse Fulgor, que a posse da verdade aplana. À fantasia aqui valor fenece; Mas a vontade minha a idéias belas, Qual roda, que ao motor pronta obedece, Volvia o Amor, que move sol e estrelas.
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