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  • A Divina Comédia/Paraíso/XXVI
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  • — “Enquanto a força a vista não repara, Que em minha nímia luz hás consumido Compensação no discursar depara. “Começa e diz pra onde é dirigido Teu espírito e sabe que, se escura A vista sentes, não a tens perdido; “Pois quem te guia na divina altura Virtude tem no olhar, como Anania Nas mãos tivera, que a cegueira cura.” — — “Quando bem lhe aprouver” — eu respondia — “Remédio aos olhos dê, por onde a chama Com ela entrou, que sempre incendia. “O Bem, que pelo céu prazer derrama Alfa e Ômega há sido na escritura, Que amor ou forte ou leve em mim proclama.” Noutro quadrante o sol fazendo entrada.”
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  • Paraíso, Canto XXVI
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  • por Dante Alighieri, tradução de José Pedro Xavier Pinheiro
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  • — “Enquanto a força a vista não repara, Que em minha nímia luz hás consumido Compensação no discursar depara. “Começa e diz pra onde é dirigido Teu espírito e sabe que, se escura A vista sentes, não a tens perdido; “Pois quem te guia na divina altura Virtude tem no olhar, como Anania Nas mãos tivera, que a cegueira cura.” — — “Quando bem lhe aprouver” — eu respondia — “Remédio aos olhos dê, por onde a chama Com ela entrou, que sempre incendia. “O Bem, que pelo céu prazer derrama Alfa e Ômega há sido na escritura, Que amor ou forte ou leve em mim proclama.” Aquela mesma voz, que me assegura Não haver eu de súbito cegado, Inda excitar-me a lhe falar procura. — “Por mais estreito crivo ser passado Deves” — disse — “e portanto denuncia O que ao fito há teu arco endereçado.” — — “Razões” — tornei — “da sã filosofia E autoridade, que daqui descende, Me influem desse amor toda a energia. “O bem, enquanto bem, quando se entende, Ateia amor que é tanto mais ardente, Quanto mais de bondade em si comprende. “É pois, essência, em si tanto excelente, Que todo bem, que ser lhe possa externo Reflexo é só da sua luz fulgente; “Atrai, mais que outra, o espírito, que, terno, Amando, conhecer pode a verdade, Que desta prova é o alicerce eterno. “Dessa verdade eu vejo a claridade Naquele, que demonstra o amor primeiro De todo ente, a quem cabe eternidade. “Vejo na voz do Autor, só e verdadeiro, Que de si disse, a Moisés falando: — O bem te hei-de mostrar perfeito e inteiro. — “Também tu mo revelas, começando O sublime pregão, que à terra ensina, Mais que os outros, o arcano venerando.” — — “Pela razão” — ouvi — “pela divina Autoridade, que com ela acorda, O amor teu, e mais que tudo a Deus destina. “Diz-me, porém: não sentes outra corda, Que para Deus te arrasta? Faz patente Com quantos dentes esse amor te morda.” — Da Águia de Cristo não me foi latente O propósito santo e onde queria Na profissão levar-me diligente. — “Estímulos, que possam” — lhe eu dizia — “Para Deus impelir a humana essência, Tem minha caridade noite e dia; “Porque do mundo o ser; minha existência; A morte que sofreu para que eu viva; O que espera um cristão da fé na ardência; “Do bem, que eu disse, a inteligência ativa, Me afastaram do mar do amor culpado, Do santo amor me conduzindo à vida. “As flores, de que o horto é todo ornado, Do Jardineiro eterno, eu amo tanto, Quanto ele em perfeição lhes tem doado.” — Calei-me e resoou melífluo canto Pelo céu, que Beatriz acompanhava, Dizendo todos: — Santo! Santo! Santo! — Como pungente luz olhos destrava Do sono, a vista, o brilho procurando, Que as pálpebras descerra, invade, agrava; E o desperto, os motivos ignorando Da súbita vigília, olhos desvia, Na mente, entanto, a reflexão calando: Em mim, dessa arte, a névoa desfazia De Beatriz o olhar, que pelo espaço De mais de milhas mil resplendecia. Então mais claro que antes a ver passo: Quarta luz perto a nós, maravilhado, Diviso e uma pergunta logo faço. E ela: — “Nesse lume, ora chegado, Seu Criador contempla a alma primeira Que a Virtude primeira haja criado.” — Qual fronde, que, ao soprar da aura ligeira, O cimo curva e, logo após, se erguendo Pela força, que a torna sobranceira, Tal eu, essas palavras lhe entendendo Atônito fiquei; depois seguro Fez-me um desejo, que me estava ardendo. — “Único pomo, que nasceu maduro! Dos homens pai, que hás visto filha e nora Em cada esposa então e no futuro! “Devota e humilde a minha voz te exora! Fala-me, pois! Do meu desejo és certo; Almejo ouvir-te, e não to expresso agora.” — Como de manto um animal coberto Movimento, que os membros seus agita Pelo envoltório, deixa descoberto: Assim essa primeira alma bendita Pelo tremor da sua luz mostrava O prazer de agradar-me quanto a excita. — “Não hei mister declares” — me tornava — “Teu desejo, melhor que tu sabendo Quanto a certeza em tua mente grava. “Nesse espelho infalível estou lendo, Em que é todo o visível refletido, Cousa nenhuma o refletir podendo. “Ouvir aspiras quando vindo hei sido Lá no santo jardim, donde, guiado Por tão comprida escada, tens subido; “Quanto tempo ali fui deliciado; Da cólera divina a causa vera; Que idioma falei, por mim formado. “O pomo, ó filho meu, não considera Motivo só por si do acerbo exílio, Mas ordens transgredir, que Deus me dera. “Lá donde Beatriz moveu Virgílio Quatro mil e trezentos e dois anos A ventura anelei deste concílio. “Do desterro senti na terra os danos, Enquanto vezes novecentas trinta Seu giro fez o sol do céu nos planos. “Antes que a gente de Nemrod consinta Em meter mãos à obra interminável, A língua, que falei, se achava extinta. “De homem feitura sempre perdurável Não é; vem do capricho e um dia cessa, Do céu segundo o influxo variável. “A humana fala a natureza expressa; Por ela o modo de falar deixado Ao homem está, segundo lhe interessa. “Antes de eu ter no inferno penetrado El o supremo bem significava, Que desta leda luz me há circundado; “Depois em Eli o nome se mudava; Qual rama dos mortais uso varia, Sucede a folha nova à que secava. “No monte, que mais alto ao ar se envia Santa vida vivi, depois culpada, Da hora prima à sétima do dia, Noutro quadrante o sol fazendo entrada.”
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