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  • A Divina Comédia/Purgatório/V
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  • — “Vede! A luz” — exclamou — “não é brilhante À sestra do que vai mais demorado; Pelo meneio a um vivo é semelhante.” Olhos volvi daquela voz ao brado, E as vi notar, de maravilha cheias, Como eu, andando, a sombra tinha ao lado. — “Por que tanto, ó meu filho, assim te enleias?” Disse o Mestre. — “Por que deténs o passo? Acaso o murmurar daqui receias? “Segue-me: a vozes vãs ouvido escasso! Qual torre, inabalável sê, dos ventos À fúria opondo válido embaraço; “Quem firmeza não tem nos pensamentos, Do fim se aparta, a que alma se endereça E, assim, malogra, instável, seus intentos.
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  • Purgatório, Canto V
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  • por Dante Alighieri, tradução de José Pedro Xavier Pinheiro
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  • — “Vede! A luz” — exclamou — “não é brilhante À sestra do que vai mais demorado; Pelo meneio a um vivo é semelhante.” Olhos volvi daquela voz ao brado, E as vi notar, de maravilha cheias, Como eu, andando, a sombra tinha ao lado. — “Por que tanto, ó meu filho, assim te enleias?” Disse o Mestre. — “Por que deténs o passo? Acaso o murmurar daqui receias? “Segue-me: a vozes vãs ouvido escasso! Qual torre, inabalável sê, dos ventos À fúria opondo válido embaraço; “Quem firmeza não tem nos pensamentos, Do fim se aparta, a que alma se endereça E, assim, malogra, instável, seus intentos. — “Sigo-te!” — ao Mestre meu tornei depressa. Cumpria assim falar; meu voto incende O rubor, que ao perdão a falta apressa. Entanto por atalho a costa ascende Adiante de nós turba cantando Devota Miserere, e ao cimo tende. Ao ver que estava o corpo meu vedando Dos luminosos raios a passagem O canto suspendeu, rouco “oh!” soltando E dois dos seus em forma de mensagem Correndo contra nós assim falaram: “Quem sois, que assim fazeis esta viagem?” Disse Virgílio: — “Aos que vos enviaram Tornai que ao corpo do homem que estais vendo Vitais alentos inda não deixaram. “Se os passos, como cuido, estão detendo, Por ver-lhe a sombra, a causa é conhecida; Terão proveito, as honras lhe fazendo.” — Mais prontos que os vapores à descida Da noite, o ar sereno aluminando, Ou névoa, ao pôr do sol, do céu varrida, Partem, à grei de novo se ajuntando; Como esquadrão, que corre à desfilada, Voltam todos, a nós se arremessando. “Ao nosso encontro vem turba avultada; Pretensões todos têm” — disse-me o Guia — “Andando, os ouve; não convém parada.” — “Ó alma, que do céu vais à alegria No próprio corpo, em que feliz nasceste, Demora o passo um pouco” — a grei dizia, “De entre nós vê se alguém reconheceste Para ao mundo levares a notícia; Por que deter-te ainda não quiseste? “Morte a todos causou cruel nequícia; Pecamos sempre até que à final hora Do céu a luz se nos mostrou propícia. “Assim, contritos, perdoando, fora Fomos da vida, a paz com Deus já feita; De o ver desejo nos acende agora.” — “A feição vossa” — eu disse — “é tão desfeita, Que nenhum reconheço; mas, se acaso Ser útil posso no que a vós respeita, “Pela paz, a servir-vos já me emprazo, Que busco, deste sábio acompanhado, De mundo em mundo, no mais breve prazo.” “Cada qual” — me tornou — “está confiado Em ti, mister não há teu juramento, Se não faltar poder ao teu bom grado. “Aos outros me antecipo: ao rogo atento, Tu se fores à terra que demora Entre a Romanha e a que é de Carlo assento, “Aos meus em Fano compassivo exora Que com preces sufraguem-me piedosos Para o mal expurgar que fiz outrora. “Nasci lá, sofri golpes espantosos, Que a existência cortaram-me tão cara, De Antenórios nos planos pantanosos, “Onde o funesto fim nunca esperara. Assim o quis do Marquês d?Este a ira, Que o exício meu injusto aparelhara. “Ah! se, fugindo, me acolhesse a Mira Quando alcançou-me de Oriais perto, Eu fora inda hoje aonde se respira. “Mas, correndo ao paul, sem rumo certo, Caí, no ceno e juncos enleado: De sangue um lago fez meu peito aberto.” “Se for” — outro então disse — “executado Desejo que te impele ao alto monte, Sê por mim de piedade impressionado. “De Montefeltro fui e fui Buonconte; De mim Joana, e ninguém mais, não cura; Entre todos por isso abaixo a fronte.” — “Que força — que má ventura Tão longe te arrastou de Campaldino, Que se ignora onde tens a sepultura?” — “Oh!” — replicou-me — “Ao pé de Casentino Um rio passa que se chama Arquiano, Nascido lá sobre o Ermo, no Apenino. “De dor lá onde o perde o nome, insano, Cheguei: ao pé fugia, e, traspassado, O colo meu ensangüentava o plano. “Da vista e fala ao ser desamparado, No suspiro final bradei — Maria! — E o corpo meu tombou, da alma deixado. “Direi verdade: aos vivos o anuncia. De Deus anjo tomando-me, o do inferno — “Servo do Céu, mo tomas?” lhe bramia. “Dele me usurpas o princípio eterno Por uma tênue lágrima fingida; Mas do seu corpo cabe-me o governo. “Bem sabes que nos ares recolhida Vaporosa umidade em chuva desce, Quando é do frio às regiões subida “Como quem com maldade o engenho tece, Névoas e vento acumulava, usando Da pujança infernal que lhe obedece. “Depois, o dia terminado estando, Do Pratomagno à serra, o vale envolve Em treva, ao céu a abóbada enlutando. “Túmido o ar, em catadupas volve, E a água que na terra não se entranha, Espumosa em torrentes se revolve. “Veloz os álveos aos arroios ganha, E para o régio rio se arrojando, Os óbices abate, que se assanha. “Junto à foz meu cadáver encontrando Levanta-o Arquiano impetuoso Ao Arno o impele, os braços desligando “Da cruz que fiz no transe doloroso. Por fundo e margens rola-o, sepultado Na areia o deixa, que arrastara iroso.” — — “Ah! quando à luz do mundo hajas tornado, Quando repouses da jornada extensa” — Foi por terceiro espírito impetrado: “De Pia recordando-te, em mim pensa; Siena fizera o que desfez Marema. Sabe-o quem me esposara e em recompensa No dedo pôs-me anel com rica gema.” —
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