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  • Caramuru/IX
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  • Depois que o tempo torna bonançoso E a noite vem tranqüila em branda calma, De ouvir o mais do sonho portentoso Se acende a todos o desejo n'alma; E no empenho do belga belicoso, Desejando escutar quem teve a palma, Suplicam Catarina que prossiga Na narração do sonho e tudo diga. II "Vi (prossegue a matrona) em Marte duro Confundir-se o Brasil, vagar potente O batavo feroz, e o reino escuro Encher Plutão da desditosa gente. Vi descendo as milícias do céu puro A plebe inerme com o zelo ardente Infundir valor tal, que conte a história Por milagre do céu cada vitória III IV V VI VII VIII IX X XI XII XIII XIV L
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  • Canto IX
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Autor
  • José de Santa Rita Durão
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  • Depois que o tempo torna bonançoso E a noite vem tranqüila em branda calma, De ouvir o mais do sonho portentoso Se acende a todos o desejo n'alma; E no empenho do belga belicoso, Desejando escutar quem teve a palma, Suplicam Catarina que prossiga Na narração do sonho e tudo diga. II "Vi (prossegue a matrona) em Marte duro Confundir-se o Brasil, vagar potente O batavo feroz, e o reino escuro Encher Plutão da desditosa gente. Vi descendo as milícias do céu puro A plebe inerme com o zelo ardente Infundir valor tal, que conte a história Por milagre do céu cada vitória III Petrid e Íolo, raios da marinha, Com esquadra do pélago senhoras, Qualquer do lado seu queimado tinha Com chamas o Brasil desoladoras; Petrid a frota que das Índias vinha Com procelas de fogo abrasadoras, E nas naus lavra, de tesouros cheias, Ao infausto Brasil novas cadeias. IV Máquina move o belga ambiciosas, Suprindo os gastos com a imensa prata; E, armando em guerra esquadras numerosas, Ocupar Pernambuco ao luso trata: Nem As forças da Holanda poderosas Opõe o hispano, com a nova ingrata, Tal socorro que a praça na contenda Do grão-poder dos batavos defenda. V Rege de Pernambuco a terra extensa O intrépido Albuquerque, a tudo atento. Guarnece a praça, os esquadrões condensa, Dispõe ao fogo o bélico instrumento, Quando à maneira de floresta densa Se viu coberto o liquido elemento, Onde proas setenta o mar rompiam, E o Wandemburgo general seguiam. VI Chamam Pau amarelo um sitio ao lado Da cidade que a frota acometia. Cômodo ao desembarque e mal guardado De Albuquerque, que as praias defendia: Ali, com quatro legiões formado, A bela Olinda o batavo se envia Onde com turmas de inexperta gente E opôs o luso chefe ao belga ardente. VII Nem muito dura ao fogo desusado O tímido esquadrão da gente lusa, Que, do insólito horror preocupado, A fuga empreende em multidão confusa: Um sobre outro, ao fugir precipitado, Render-se ao fero belga não recusa; E, a cidade infeliz deixando aberta Qualquer se salva donde mais o acerta. VIII Entra o holandês na praça abandonada, E quando de riqueza a cuidou cheia, Em triste solidão desamparada, E acha sem prêmio a cobiçosa idéia Vingam nos templos a intenção malvada, E o altar profanam com infâmia feia, Tratando o pio rito e o santo culto Com sacrílega mente e horrendo insulto. IX Mas não sofre da fuga o torpe medo O valente fortíssimo Temudo; E, tendo ao lado o intrépido Azevedo, A espada empunha embaraçando o escudo. Ao ser do saco no funesto enredo A forma do holandês turbar-se em tudo, Une alguns, que, odiando a vil fugida, Dão por preço da glória a heróica vida. X "Oh, disse, honra imortal do nome luso, Corações valorosos, que em tal sorte Fazeis da doce vida o melhor uso, Comprando a glória com a invicta morte! Vedes sem forma o batavo confuso, Da valorosa espada exposta ao corte: Corra-se às armas, que, se os não vencemos, Sem a pátria vingar não morreremos." XI Disse; e, empregando a fulminante espada, Uma esquadra invadiu que discorria, Com cálices da igreja profanada, Que com insulto em derrisão metia; De uns a fronte no chão deixou truncada, De outros o peito com o ferro enfia, De alguns, que insano acometendo freme, Talhado o braço sobre a terra treme. XII Azevedo entre os mais, que no chão lança, Tendo das balas empregado o impulso, Com fero golpe de alabarda alcança De Ruiter, que o acomete, o horrível pulso: Despoja-o da arma e furioso avança, Deixando-o em terra com tremor convulso, Cornelisten derriba e o ferro emprega Em Blá, que todo o chão com sangue rega. XIII Com fúria igual e impulso destemido Invade contra o batavo a caterva, E, bem que a legião em corpo unido, Em roda ao luso disparando ferva, Resiste o português nunca rendido, Enquanto a vida com vigor conserva, Até que sobre 08 belgas derribados Caíram mortos sim, porém vingados. XIV Tem por nome Arrecife um forte posto, Que um istmo separou do continente, Donde o Castelo de S. Jorge oposto Defende o passo ao transito iminente. Ali fazia aos inimigos rosto O bravo Lima, que do belga ardente, Sem mais que trinta invictos defensores, Trezentos sacrifica aos seus furores. XV Pasma de assombro Wandemburgo insano, Nem pode crer, se o não convence a vista Que com força tão pouca o lusitano De dois mil belgas ao furor resista. Sai com todo o poder e ocupa o plano, E em forma regular tenta a conquista; E nem assim o Lima ao fogo cede, Enquanto auxilio ao general não pede. XVI Recobrava-se entanto valorosa Do primeiro terror a lusa gente, Que. inexperta da pugna belicosa, Cedera no improviso do acidente. E, acompanhando em tropa numerosa Do intrépido Albuquerque o ardor valente, O belga usurpador pelas ribeiras Cercaram com redutos e trincheiras. XVII Plantam depois um forte acampamento, Donde se insulte o batavo inimigo; Nem deixavam que um só pudesse isento Sair sem dano ao campo, ou sem perigo. Cortam-lhe o passo, impedem-lhe o sustento, Nem lhe concedem no terreno abrigo, E, ocupando-lhe o giro dilatado, O belga cercador deixam cercado. XVIII Dois mil dos seus guerreiros escolhidos Contra Albuquerque Wandenburg avança; Mas achavam os lusos prevenidos Do seu valor na nobre confiança: Caiam das trincheiras rebatidos Do fogo os belgas, ou da espada e lança, E, sem que combatendo a mais se arrojem, Em desordem do campo à praça fogem. XIX Com quatro companhias numa armada Socorro de Lisboa recebendo, Foi outra vez a tropa reforçada Com gente e munições noutra de Oquendo: Mil mosqueteiros, tropa exercitada, No duro jogo de Mavorte horrendo, S. Félice conduz mestre de guerra Mas menos apto na que usava a terra. XX Com socorro maior de Holanda armado Contra Itamaracá corre o inimigo; Duas vezes, porém, foi rechaçado Com perda o belga para o noto abrigo A Paraíba e Rio Grande enviado, Mudava de lugar, não de perigo; E, já menos bisonha a lusa topa, Põe em fuga o holandês, se em campo o topa. XXI A Wandemburgo no holandês império Sucedera Rimbach em guerras noto, Que. estimando dos belgas vitupério Ser cada dia pelos nossos roto, Enquanto celebrava atento e sério A páscoa o campo em procissão devoto, Com todo o poder batavo acomete, E o campo em confusão, batendo, mete. XXII Não se interrompe a cerimônia augusta; Orando o clero com o sexo pio, Sai o ortodoxo conta a turma injusta, Tomando por sagrado o desafio; E, fundando no céu confiança justa, Pelejam com tal fé, com tanto brio, Que. matando Rimbach em feio estrago, Deram aos belgas da blasfêmia o pago. XXIII Mas o céu, que o flagelo destinava, Poder tão grande aos batavos concede, Que nada a Vandescop, que os moderava, Depois desta campanha o curso impede. Fica Itamaracá de Holanda escrava, Desfaz-se o campo, a Paraíba cede, Perde-se o Rio Grande, e noutra empresa Rende o luso o Pontal e a Fortaleza. XXIV Salva-se o resto, da facção perdida Nas Alagoas, sítio defensável, Onde, de fero belga perseguida, Asilo busca a turba miserável. Mas foi da Espanha em breve socorrida Com brava tropa em frota respeitável; Rosas de Borja, a Pernambuco enviado, De Albuquerque o bastão tomou deixado. XXV Roxas, pronto no obrar, posto em batalha, De Vandescop as tropas investia; Mas o belga Arquichofe a marcha atalha Com socorro que válido trazia Com tenebrosa sombra os lutos talha A noite, que começa, à morte impia, Dispondo Roxas em defesa armado Esperar o socorro convocado. XXVI Mas, logo que a manhã mostrou formosa Da batalha inimiga a forma unida, Mais não sossega a chama generosa, E investe ardente a batava partida: Cobre os céus a fumaça tenebrosa, Perde o hispano e o holandês na empresa a vida, E nem este, nem o outro ali vencera, Se o temerário Roxas não morrera. XXVII S. Félice, na guerra mestre astuto, Sucede no governo ao bravo hispano, E brasílico Fábio entanto luto Salvou na retirada o lusitano. Foi das palmas batávicas produto Governar o país pernambucano O conde de Nassau, que o belga envia, General das conquistas que emprendia. XXVIII Era Nassau nas armas celebrado, Com que ilustrava o excelso nascimento, Príncipe então no império respeitado, Nutrindo igual ao sangue o pensamento Entrou de forte armada acompanhado, E, no Arrecife situado o assento, Levantou fortes, e em países belos Guarneceu as colônias com castelos. XXIX Mas, aspirando a empresa memorável, Todo o exército e armada prevenia, E, achando Pernambuco defensável, Invadiu no recôncavo a Bahia. S. Félice com resto miserável Ali novo socorro ao rei pedia, Quando ao bravo Nassau dispunha a sorte Um chefe nele opor prudente e forte XXX Tudo dispunha o conde em forma e arte De rebater do batavo a interpresa, Dispõe pela cidade em toda a parte Os meios e instrumentos da defesa; Faz grossas levas e esquadrões reparte, E, tudo preparando à forte empresa, Nada esqueceu de quanto na milícia Inventa a militar sábia perícia. XXXI Entrava entanto pela vasta enseada Nassau, que as praias enche da Bahia Com a terrível majestosa armada Que com quarenta naus linha fazia; E, ao som da trompa marcial tocada Em gratos ecos de hórrida harmonia, Enche a horrenda procela em tais ensaios A enseada de trovões e o céu de raios. XXXII Entanto o claro Silva, que ocupava Do supremo governo o excelso mando, A S. Félice o posto renunciava, Ficando por soldado ao seu comando. Heróica ação, que pela pátria obrava, Maior perícia em outrem confessando, E merecendo nela em tanta empresa Da corte aclamações, do rei grandeza . XXXIII Desembarca Nassau com turba ingente Junto de Tapagipe, e empreende o oiteiro Que nomear costuma a vulgar gente Do antigo habitador Padre Ribeiro. Mas S. Félice, que o anteviu prudente, De posto o bate, que ocupou primeiro; E, depois que seiscentos destro mata, Em grande parte o belga desbarata. XXXIV Largos dias Nassau bate a trincheira, Que lhe opôs ao quartel Banholo à frente; Mas o belga em batalha verdadeira Por muitos dias se avançava ardente. Cobre-se a terra em hórrida maneira De um monte de cadáveres ingente, Vendo os belgas cair, sem que desista Nassau com tanto sangue da conquista. XXXV E já desfeito o exército se via, Ferido o oficial, e a gente morta, Sem que cessasse o ardor nos da Bahia, Que o S. Félice rege e o Silva exorta. Pede tréguas Nassau nesta porfia, E tudo com a tropa as naus transporta, Fugindo do perigo o infausto efeito. Com perda igual de gente e de conceito. XXXVI Dois dias na enseada por vingança Bate a esquadra a cidade sem perigo, Com balas e granadas, que em vão lança, Parecendo mais salva que castigo. Sobreveio ao Brasil nova esperança De expugnar com mais forças o inimigo; Mas foi o efeito das promessas vário, Impedindo o socorro o mar contrário. XXXVII Vi neste tempo em confusão pasmosa A monarquia em Lísia dominante, E a casa de Bragança gloriosa Nos quatro impérios triunfar reinante, A Bahia com pompa majestosa Festejar o monarca triunfante, E o Pernambuco, de desgraças farto, Invocar pai da pátria D. João Quarto. XXXVIII Tratava o novo rei com fé provada A batávica paz, que sem justiça Deixava ao mesmo tempo quebrantada O belga injusto pela vil cobiça . Ocupa o Maranhão batava armada, E outra esquadra em Sergipe o incêndio atiça, Pretendendo ocupar com falso engano Toda África e Brasil ao lusitano. XXXIX Cede do seu governo de afrontado O general Nassau, tornando à Holanda, Tendo o conselho do Arrecife armado Mil artifícios de calúnia infanda. Nem contra os habitantes moderado O duro freio no governo abranda, Onde a plebe agravada que o experimenta O Jugo sacudir com glória intenta. XL João Fernandes Vieira foi na empresa O instrumento da pátria liberdade, Herói que soube usar da grã-riqueza, Libertando o Brasil desta impiedade. De amigos e parentes na defesa Tentou furtivamente a sociedade, E como a pedra a estátua de Nabuco. O belga derribou de Pernambuco. XLI Nomeou cabos, tropas, companhias, Pediu socorros e invocou prudente, Expondo do holandês as tiranias, O governo brasílico potente. Avisa sem demora Henrique Dias , Capitão dos etíopes valente, E o forte Camarão, que em guerra tanta Com os seus carijós o belga espanta. XLII Ouse o holandês com susto o movimento; E, querendo oprimir nascente a chama, Com dois mil homens prevenia atento A nova guerra que o Vieira inflama. Deixara o luso chefe o alojamento, E os belgas, que à cilada oculto chama, Empenhou de um lugar nas duras rocas, A que o monte chamaram das Tabocas. XLIII Entre arbustos e canas de improviso Dispara o luso sobre a incauta gente, E, precedendo o dano antes do aviso, Desbarata o holandês com fúria ardente. Suspende a marcha o batavo indeciso, E, sem ver o inimigo, o golpe sente, Até que, vendo o estrago dos soldados, Cedem o campo e fogem destroçados XLIV Holanda era potente e o luso aflito, Onde enchendo Lisboa de ameaças, Por ter notícia do infeliz conflito, Meditava ao Brasil novas desgraças. Mas, por guardar os seus, o rei invicto Dispôs piedoso nas providências lassas Providências que à paz chamar pudessem O tumulto em que os nossos permanecem. XLV Vão com dois regimentos destacados O moreno e o negreiros da Bahia A dar paz (se é possível) destinados Na guerra que o Vieira então movia. Vieram veigas e Campos abrasados, E o colono infeliz, que perecia, Com lastima da tropa, que observara, Todo o estrago que o belga ali causara. XLVI Avistado o Negreiros e o Vieira "Venho (disse o primeiro) a prisão dar vos, Por haver provocado a ira estrangeira A uma guerra que acabe de assolar-vos." "É justo que eu também prender-vos queira; Mas será (disse o herói) com abraçar-vos." E, assim dizendo, alegre move o passo, E os dois recebe com festivo abraço. XLVII Outro tanto fazia a tropa unida Ao invicto esquadrão pernambucano; E, aplaudindo a vitória conseguida, Detestam do holandês o enorme engano. Nem muito tarda a gente fementida Que não abrase ao lusitano, Onde embarcado pela paz chegara, Com o batavo próprio o convidara. XLVIII Ouvem-se entanto os míseros clamores De turba feminina, que invocava O socorro dos seus libertadores Contra o belga cruel que a cativava. Mas não cessa o Vieira e sem rumores O engenho, aonde incauto descansava O belga general cercado, bate, E, rendendo-o à prisão, vence o combate. XLIX Henrique Huss, no Arrecife comandante, Era o cabo dos belgas prisioneiro, Blac rendido também, chefe importante, Subalterno nas armas do primeiro. Foge do luso o batavo arrogante, Espalhando fuzis no grão-terreiro, E a chama teme que no horrendo empenho Lançara o Vieira pelo vasto engenho. L Com fama de vitória tão brilhante Toma as armas a plebe e o belga invade; Serenhaem tomou, vila possante, O partido comum da liberdade. Segue Itaramaracá com fé constante, Porto Calvo e os contornos da cidade, Deixando no Arrecife sem remédio Encerrado o holandês com duro assédio, LI Mas não cessa na Holanda a companhia, E ao numeroso exército que ordena, Segismundo Van-Scop por chefe envia, Munido em guerra de potência plena; Do experto general, que desconfia O prêmio valoroso, do fraco apena, E empreendendo com forças o combate, O inimigo Vieira ou prenda, ou mate. LII Abordando o Arrecife então cercado, A inércia dos seus chefes repreende; Nem muito tarda que no campo armado Não saia a Olinda, que expugnar emprende. Em assalto a acomete duplicado, E a brava tropa, que ao presídio atende, Com tanto alento o batavo rechaça, Que ferido Van-Scop se acolhe à praça. LIII Sem que desista da passada instância, Tenta de novo a empresa da Bahia; Mas, notando nos lusos a constância, Que injúria do poder lhe parecia, Consome do Recôncavo a abundância Com freqüentes sortidas, que emprendia, E, porque cresça na cidade o tédio, Ocupa Taparica e põe-lhe o assédio. LIV Teles entanto, que expulsar pretende Sem igual força o batavo contrário, Contra o comum conselho o ataque emprende, E tudo expõe no impulso temerário Mas, vendo o luso rei que a nada atende O belga nos seus pactos sempre vário, Manda armada ao Brasil, que poderosa A batava nação dome orgulhosa. LV Teme o golpe Van-Scop e desampara, Por guardar o Arrecife, Taparica, Antevendo que a esquadra se prepara Contra a praça, que auxílio lhe suplica. Barreto de Menezes, que chegara De novo general patente indica, E em Pernambuco sublimado ao mando Com prudência e valor foi governando. LVI Nove mil homens, tropa valorosa, E com freqüentes palmas veterana, Manda o batavo a empresa perigosa, Que à guerra ponha fim pernambucana. Ocupa o mar armada poderosa, E, dominando a praia americana, Usurpa em mar e terra alto domínio, Ameaçando dos lusos o extermínio. LVII Põe-se em campanha o batavo terrível, Com sete mil de veterana tropa; Vão densos bandos de gentio horrível, Com destro gastador vindo da Europa; E, estimando a potência irresistível, Cende ao belga a Barreta e quanto topa , Enquanto em defensiva o luso fica, E o campo contra o belga fortifica. LVIII Segismundo, porém, que os bastimentos Em Moribeca assegurar procura, Dispunha ali tomar alojamentos, Estimando a vitória já segura. Mas Barreto e Vieira a tudo atentos, Na justiça, que a causa lhe assegura, Confiam que na empresa o céu lhe valha, E tudo vão dispondo a uma batalha. LIX Nem com tanto poder Van-Scop recusa Decidir numa ação toda a contenda, Antevendo, se a perde a gente lusa, Que outra força não tem que a guerra emprenda; E já na marcha a multidão confusa A ação começa pelo fogo horrenda, E, turbando dos belgas toda a forma, Combatem com valor, porém sem norma. LX Nos montes Guararapes se alojava Formando o português, que o belga espera; E a escaramuça, que emprendera brava, Traz a sítio o holandês, que adverso lhe era; Desde alto monte o luso fogo obrava, Com ruína dos batavos tão fera, Que, ou seja ao lado, ou na espaçosa fronte, Se cobriu de cadáveres o monte. LXI Reúne os batalhões Van-Scop irado, E à frente com valor da linha posto Tenta desalojar do alto ocupado O invicto Camarão, que lhe faz rosto; Mas, com chuva de balas rechaçado, Perde três vezes o ganhado posto, E já ferido com mil mortos cede, Em vil fuga, que a noite lhe concede. LXII Noventa dos seus perde o lusitano; E enquanto o belga se retira incerto, Descobre a aurora todo o monte e plano De bandeiras, canhões, e armas coberto. Muitos ali do batavo tirano, Perdidos pela noite em campo aberto, Deixa o dia, inexpertos nos roteiros, Nas mãos da nossa tropa prisioneiros. LXIII Horroriza-se Holanda, pasma Europa, Exalta Portugal, canta a Bahia, Vendo-se triunfar tão pouca tropa Da terrível potência que a invadia. Nada de humano o pensamento topa, Que em tudo a mão de Deus clara se via, Pois sempre elege para os seus portentos Os mais fracos e humildes instrumentos. LXIV Tinha exausta a ambição, mas não cansada A cobiçosa Holanda em tal conquista; E, para novo empenho aparelhada, Escolhe os capitães e a gente alista; Mas do Britano às armas provocada, Sobre interesse que mais alto avista, Suspende influxo na famosa empresa, Deixando em Pernambuco a guerra acesa. LXV Brinca este tempo, coronel valente, Impetra de Van-Scop tropa luzida, Com petrechos e número potente, Que em batalha cruel toda decida. Cinco mil homens de escolhida gente, De canhões, e petrechos guarnecida, Põe no campo assombrado da potência, Igualando o valor coa diligência. LXVI Com dois mil e seiscentos veteranos Fez-lhe frente Barreto e o belga invade; Correm de toda a parte os lusitanos A sustentar a pátria liberdade. Aloja o luso sobre os mesmos planos Onde fora passada a mortandade; O belga na montanha se distingue, Um que estrago renove, outro que o vingue. LXVII Mas Brinc, a tudo atento desde o cume, Com perícia guerreira ocupa o monte, Onde, seguindo o militar costume, Dá forma à retaguarda e ordena à fronte; Nem tão ousado o português presume, Que em vantajoso posto o belga afronte, Esperando a ocasião dali oportuna De poder atacar com mais fortuna. LXV Reconhece Barreto o sítio e forma, E, vendo o ardor da lusitana gente, Que, hábil no passo, da subida o informa, Faz que o bravo Vieira ataque ardente; E, cobrindo a invasão com sábia norma, Com o fogo protege o assalto ingente, Até que por mil casos duvidosos Vê sobre o monte os campeões briosos. LXIX Nova batalha ali com fogo vivo Move impávido o belga e firme insiste; E, por mais que o Vieira invada ativo, Onde um corpo vacila, outro resiste. Tal há que ainda combate semi-vivo; Tal que, cadáver já na morte triste, A terra morde e em raiva enfurecida, Blasfemando do céu, despede a vida. LXX A toda a parte voa o grão-Barreto, E um anima, outro ajuda, outros exorta; E, excitando no luso o pátrio afeto, Incita o fone, o inválido conforta. Bramava o fero Brinc em sangue infecto, Entre a batava turba opressa e morta; Assalta horrendo um batalhão potente, E outros reprime com ferócia ardente. LXXI Mas o invencível Camarão, que o nota, Um forte troço da reserva abala; E, suspendendo a misera derrota, Lança o belga por terra de uma bala. Logo o almirante da soberba frota, Vendo invadido Brinc cair sem fala, Ocupa o mando, que já vago estima, E o batavo à peleja altivo anima. LXXII Não sofre Henrique Dias, que observava Do novo chefe a intimação constante; E de um tiro, que fero lhe apontava, Derriba morto o intrépido almirante. Sem comandante, o belga trepidava, E, de um e de outro lado vacilante, Uma vil fuga tímido declara, E o campo com desordem desampara. LXXIII O estandarte soberbo dos Estados, Tendas, peças, bandeiras numerosas, Mil e trezentos mortos numerados, Prisioneiros, bagagens preciosas, Muitos centos na fuga degolados, A caixa militar, armas custosas, Foram, nesta ocasião, de tanta glória, O merecido prêmio da vitória. LXXIV Cinge o Arrecife de um assédio estreito Com pronta cura o chefe lusitano; Mas, tendo longa guerra o belga feito, Era contínuo sim, mas mútuo o dano; Até que Jacques ao comando eleito No campo se avistou pernambucano. Conduzindo em fortuita derrota Para o luso comércio a usada frota. LXXV Por mar e terra sitiada a praça, Depois do longo assédio de nove anos, Com mil desastres fatigada e lassa, Cedeu todo o Brasil aos lusitanos: Mercê clara do céu, patente graça, Que a tão poucos e míseros paisanos Cedesse uma nação que enchia em guerra De armadas todo o mar, de espanto a terra. LXXVI Assim modera o Padre Onipotente Do ignorante mortal a incerta sorte, Por fazer com tais casos evidente Que não é quem mais pode o que é mais forte. Tudo rege na terra a mão potente; Dele a vitória pende, a vida, a morte; E, sem o seu favor, que o distribui, Todo o humano poder nada conclui. LXXVII Triunfou Portugal; mas, castigado, Teve em tal permissão severo ensino, Que só se logrará feliz reinado, Honrando os reis da terra ao rei divino; E que o Brasil aos lusos confiado Será, cumprindo os fins do alto destino, Instrumento talvez neste hemisfério De recobrar no mundo o antigo império. LXXVIII Vi ne sonho mil casos diferentes, Que no curso virão de outras idades. Vi províncias notáveis e potentes, Vi nascer no Brasil áureas cidades; Famosos vice-reis e ilustres gentes, Tantos sucessos, tantas variedades, Que somente pintado, como em sombra, Confunde o pensamento, a vista assombra. LXXIX Prelados vi de excelsa jerarquia, E entre outros da maior celebridade O claro Lemos, que enriqueça um dia De novas ciências a universidade: Ele ornará depois a academia Com construções de excelsa majestade, E em doutrina a fará com sábio modo O Ateneu mais famoso do orbe todo." LXXXX Deu Catarina fim, e arrebatada Num êxtase ficou, vibrando ardores; Corriam pela face em luz banhada Lágrimas belas, como orvalho em flores. Fica a pia assembléia esperançada De outros sucessos escutar maiores; E, dando tempo ao sono milagroso, No abraço a deixam do celeste esposo.
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