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  • Marília de Dirceu/III/I
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  • Aqui vejo descorados Os terníssimos amantes, Entre as cadeias gemerem; Vejo nas piras arderem As entranhas palpitantes. A quem amas, quanto avistas (Diz Cupido) não aterra; Quem quer cingir o loureiro Também vai sofrer primeiro Todo o trabalho da guerra. Contudo, que te dilates Neste sítio não convenho; Deixa a estância lastimosa, Vem ver a sala formosa Aonde o meu sólio tenho. Entre noutro grande Templo; Que perspectiva tão grata! Tudo quanto nele vejo Passa além do meu desejo, E o discurso me arrebata.
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  • Parte III, Lira I
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Autor
  • Tomás Antônio Gonzaga
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  • Aqui vejo descorados Os terníssimos amantes, Entre as cadeias gemerem; Vejo nas piras arderem As entranhas palpitantes. A quem amas, quanto avistas (Diz Cupido) não aterra; Quem quer cingir o loureiro Também vai sofrer primeiro Todo o trabalho da guerra. Contudo, que te dilates Neste sítio não convenho; Deixa a estância lastimosa, Vem ver a sala formosa Aonde o meu sólio tenho. Entre noutro grande Templo; Que perspectiva tão grata! Tudo quanto nele vejo Passa além do meu desejo, E o discurso me arrebata. É de mármore, e de jaspe O soberbo frontispício; É todo por dentro de ouro; E a um tão rico tesouro Inda excede o artifício. As janelas não se adornam De sedas de finas cores; Em lugar dos cortinados, Estão presos, e enlaçados Festões de mimosas flores. Em torno da sala augusta Ardem dourados braseiros, Queimam resinas que estalam, E postas em fumo exalam Da Panchaia os gratos cheiros. Ao pé do trono os seus Gênios Alegres hinos entoam; Dançam as Graças formosas, E aqui as horas gostosas Em vez de correrem voam. Estão sobre o pavimento Igualmente reclinados, Nos colos dos seus amores, Os grandes Reis, e os Pastores, De frescas rosas coroados. Mal o acordo restauro, Me diz o moço risonho, Como ainda não reparas Em tantas coisas tão raras, De que este Templo componho? Sabes a história de Jove? Aqui tens o manso Touro, Tens o Cisne decantado, A Velha em que foi mudado, Com a grossa chuva de ouro. Aplica, Dirceu, agora Os olhos ara esta parte, Aqui tens a Lira d'ouro Que inda estima o Pastor louro; E a rede que enlaça a Marte. Vês este arco destramente De branco marfim ornado? À casta Deusa servia, E o perdeu quando dormia Do gentil Pastor ao lado. Vês esta lira? com ela Tira Orfeu ao bem querido Dos Infernos onde estava: Vês este farol? guiava Ao meu nadador de Abido. Vês estas duas espadas Ainda de sangue cheias? A Tisbe, e a Dido mataram; E os fortes pulsos ornaram De Píramo, e mais de Enéias. Sabes quem vai no navio, Que este mar se levanta? É Teseu. Vês esse pomo? É de Cípide, assim como São aqueles de Atlanta. Vê agora estes retratos, Que destros pincéis fizeram, Ah! que pinturas divinas! Todas são das heroínas, Que mais vitórias me deram. Repara nesse semblante, É o semblante de Helena; Lá se avista a Grega armada, E aqui de Tróia abrasada Se mostra a funesta cena. Vê est'outra formosura? É a bela Deidamia; Lá tens Aquiles ao lado, De uma saia disfarçado, Como com ela vivia. Cleópatra é quem se segue: Ali tens lançado a linha Marco Antônio sossegado, Ao tempo em que Augusto irado Com armada nau caminha. Aqui Hérmia se figura; Vê um Sábio dos maiores, Qual infame delinqüente, Ir desterrado, somente Por cantar os seus amores. Este é de Ônfale o retrato; Aqui tens (quem o diria!) Ao grande Hércules sentado Com as mais damas no estrado, Onde em seu obséquio fia. Anda agora a est'outra parte, Conheces, Dirceu, aquela? Onde vais, lhe digo, explica, Que beleza aqui nos fica, Sem fazeres caso dela? Ergo o rosto, ponho a vista Na imagem não explicada, Oh! quanto é digna de apreço! Mal exclamo assim, conheço Ser a minha doce amada. O coração pelos olhos Em terno pranto saía, E no meu peito saltava; Disfarçando amor, olhava Para mim a furto, e ria. Depois de passado tempo, A mim se chega, e me abala; Desperto de tanto assombro; Ele bate no meu ombro, E assim afável me fala: Sim, caro Dirceu, é esta A divina formosura, Que te destina Cupido; Aqui tens o laço urdido Da tua imortal ventura. Um Nume, Dirceu, um Nume, Que os trabalhos de um humano Desta sorte felicita, Não é como se acredita, Não é um Nume tirano. Olha se a cega Fortuna, De tudo quanto se cria, Ou nos mares, ou na terra, Em seus tesouros encerra Outro bem de mais valia? Lisas faces cor-de-rosa, Brancos dentes, olhos belos, Lindos beiços encarnados, Pescoço, e peitos nevados, Negros, e finos cabelos, Não valem mais que cingires, Com braço de sangue imundo, Na cabeça o verde louro? Do que teres montes de ouro? Do que dares leis ao mundo? Ah! ensina, sim, ensina Ao vil mortal atrevido, E ao peito que adora terno, Que tem, para um o Inferno, Para outro um Céu, o Cupido. Ao resto Amor me convida, Eu chorando a mão lhe beijo, E lhe digo: Amor, perdoa Não seguir-te; pois não voa A ver mais o meu desejo.
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