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  • A Ama-Seca
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  • O Romualdo, marido de D. Eufêmia, era um rapaz sério, lá isso era, e tão incapaz de cometer a mais leve infidelidade conjugal como de roubar o sino de São Francisco de Paula; mas — vejam como o diabo as arma! Um dia D. Eufêmia foi chamada, a toda a pressa, a Juiz de Fora, para ver o pai que estava gravemente enfermo, e como o Romualdo não podia naquela ocasião deixar a casa comercial de que era guarda-livros (estavam a dar balanço), resignou-se a ver partir a senhora acompanhada pelos três meninos, o Zeca, o Cazuza, o Bibi, e a ama-seca deste último, que era ainda de colo. — Boa noite! — Isso!
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  • A Ama-Seca
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Autor
  • Artur de Azevedo
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  • O Romualdo, marido de D. Eufêmia, era um rapaz sério, lá isso era, e tão incapaz de cometer a mais leve infidelidade conjugal como de roubar o sino de São Francisco de Paula; mas — vejam como o diabo as arma! Um dia D. Eufêmia foi chamada, a toda a pressa, a Juiz de Fora, para ver o pai que estava gravemente enfermo, e como o Romualdo não podia naquela ocasião deixar a casa comercial de que era guarda-livros (estavam a dar balanço), resignou-se a ver partir a senhora acompanhada pelos três meninos, o Zeca, o Cazuza, o Bibi, e a ama-seca deste último, que era ainda de colo. Foi a primeira vez que o Romualdo se separou da família. Custou-lhe muito, coitado, e mais lhe custou quando, ao cabo de uma semana, D. Eufêmia lhe escreveu, dizendo que o velho estava livre de perigo, mas a convalescença seria longa, e o seu dever de filha era ficar junto dele um mês pelo menos. O Romualdo resignou-se. Que remédio!... Durante os primeiros tempos saía do escritório e metia-se em casa, mas no fim de alguns dias entendeu que devia dar alguns passeios pelos arrabaldes, hoje este, amanhã aquele. Era um meio, como outro qualquer, de iludir a saudade. Uma noite coube a vez ao Andaraí Grande. O Romualdo tomou o bonde do Leopoldo, e teve a fortuna ou a desgraça de se sentar ao lado da mulatinha mais dengosa e bonita que ainda tentou um marido, cuja mulher estivesse em Juiz de Fora. Nessa noite fatal a virtude do Romualdo deu em pantanas: tencionando ele ir até o fim da linha, como fazia todas as noites, apeou-se na Rua Mariz e Barros, ali pelas alturas da Travessa de São Salvador. A mulata havia se apeado algumas braças antes. E ele viu, à luz de um lampião, o vulto dela saltitante e esquivo, e apressou o passo para apanhá-la, o que conseguiu facilmente, porque, pelos modos, ela já contava com isso. — Boa noite! — Boa noite. — Como se chama? — Antonieta. — Pode dar-me uma palavra? — Por que não falou no bonde? — Era impossível... estava tanta gente... e estes elétricos são tão iluminados. — Mas o sinhô bolinou que não foi graça! vamos, diga: que deseja? — Desejo saber onde mora. — Não tenho casa minha; tou empregada numa famia ali mais adiente, por siná que não stou satisfeita, e ando procurando outra arrumação. — Onde poderemos falar em particular? — Não sei. — Você sai amanhã à noite? — Amanhã não, porque saí hoje, e não quero abusá. — Então, depois de amanhã? — Pois sim. — Onde a espero? — Onde o sinhô quisé. — Na Praça Tiradentes, no ponto dos bondes. As oito horas. — Na porta do armazém do Derby? — Isso! — Tá dito! Inté depois d'amanhã às oito hora. — Não falte! — Não farto não! No dia seguinte, o Romualdo contou a sua aventura a um companheiro de escritório que era useiro e vezeiro nessas cavalarias... baixas, e o camarada levou a condescendência ao ponto de confiar-lhe a chave de um ninho que tinha preparado adrede para os contrabandos do amor. Antonieta foi pontual; à hora marcada lá estava à porta do Derby, com ares de quem esperava o bonde. O Romualdo aproximou-se, fez um sinal, afastou-se e ela seguiu-o... Dez dias depois, estava ele arrependidíssimo da sua conquista fácil, e com remorsos de haver enganado D. Eufêmia, aquela santa! Procurava agora meios e modos de se ver livre da mulata, cuja prosódia era capaz de lançar água na fervura da mais violenta paixão. Vendo que não podia evitá-la, tomou o Romualdo a deliberação de fugir-lhe, e uma noite deixou-a à porta do ninho, esperando debalde por ele. Lembrou-se, mas era tarde, que havia prometido dar-lhe uni anel, justamente nessa noite. — Diabo! pensou ele, Antonieta vai supor que lhe fugi por causa do anel! Voltou, afinal, D. Eufêmia de Juiz de Fora. Veio no trem da manhã, inesperadamente, e já não encontrou o marido em casa. Estava furiosa, porque a ama-seca de Bibi deixara-se ficar na estação da Barra. Podia ser que não fosse de propósito. O mais certo, porém, era o ter sido desencaminhada por um sujeito que vinha no trem a namorá-la desde Paraíbuna. Quando D. Eufêmia contou isso ao marido, acrescentou indignada: — Que homens sem-vergonha!... Não podem ver uma mulata!... O Romualdo perturbou-se, mas disfarçou, perguntando: — E agora? E preciso anunciar! Não podemos ficar sem ama-seca! — Já mandei o Zeca pôr um anúncio no Jornal do Brasil. No dia seguinte, o Romualdo saiu muito cedo; ao voltar para casa, a primeira coisa que perguntou à senhora foi: — Então? Já temos ama-seca?. . — Já; é uma mulatinha bem jeitosa, mas tem cara de sapeca. Chama-se Antonieta. — Hem? Antonieta? — Que tens, homem? — Nada; não tenho nada... E jeitosa?... Tem cara de sapeca?... Manda-a embora! Não serve! Nem quero vê-la!... — Ora essa! Por quê? Olha, ela aí vem. Antonieta chegou, efetivamente, com o Bibi ao colo; mas o Romualdo tinha fechado os olhos, dizendo consigo: — Que escândalo!... rebenta a bomba!... este diabo vai reclamar o anel!. Mas como nada ouvisse, o mísero abriu os olhos e — oh! milagre! — era outra Antonieta!. Ele pensou, os leitores também pensaram que fosse a mesma; não era. Decididamente, há um Deus para os maridos que enganam as suas mulheres.
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