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  • A Divina Comédia/Paraíso/XX
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  • O céu, que dele só de antes se acende, Cintilante se mostra de repente Por mil luzeiros, em que um só resplende. Do céu surgiu-me essa mudança à mente Depois que o santo pássaro calou-se, Dos reis, no mundo, insígnia refulgente; Pois desses vivos lumes ateou-se Inda mais o clarão, hino cantando, Que na memória instável apagou-se. Ó doce amor! num riso te velando, Quanto indicas arder nos esplendores, Que estão santo pensar só respirando!. Quando as gemas sublimes nos fulgores, De que o sexto planeta se adornava Findaram seus angélicos dulçores, Com sua voz igualmente se moviam.
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  • Paraíso, Canto XX
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  • por Dante Alighieri, tradução de José Pedro Xavier Pinheiro
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  • O céu, que dele só de antes se acende, Cintilante se mostra de repente Por mil luzeiros, em que um só resplende. Do céu surgiu-me essa mudança à mente Depois que o santo pássaro calou-se, Dos reis, no mundo, insígnia refulgente; Pois desses vivos lumes ateou-se Inda mais o clarão, hino cantando, Que na memória instável apagou-se. Ó doce amor! num riso te velando, Quanto indicas arder nos esplendores, Que estão santo pensar só respirando!. Quando as gemas sublimes nos fulgores, De que o sexto planeta se adornava Findaram seus angélicos dulçores, De rio o murmurar ouvir julgava, Que, em claras espadanas debruçado Com sua veia abundante as rochas lava. Da cít?ra em braço como o som formado, Como o sopro na avena penetrando Em melódicas notas modulado, Assim formou-se um murmúrio brando, Que subiu, logo após, da ave formosa, Pelo canal do colo, se exalando. Então em voz tornou-se harmoniosa, Que do bico em palavras irrompia: Em minha alma insculpiram-se ansiosa. — “Na parte atenta, que em mim vê” — dizia — “Que até na águia mortal afronta ousada O sol, quando rutila ao meio-dia; “Porque dos fogos, de que sou formada, Aqueles, com que a vista me cintila, No céu graduação tem sublimada, “Esse, que brilha em meio por poupila, Foi o régio cantor do Esp?rito Santo, Que a Arca trasladou de vila em vila. “Conhece ora a valia de seu canto, Qual foi o efeito desse ardente zelo, Galardão recebendo tal e tanto. “Dos cinco, que o sobrolho me ornam belo, Consolou o que ao bico está mais perto Viúva em dó do filho, seu desvelo. “Quanto custa lhe está bem descoberto A Cristo não seguir, pela exp?riência Do céu e do penar pungente e certo. “E o que está logo após na circunf?rência Do sobrolho, onde vês arco superno, Morte adiou por vera penitência. “Conhece agora que o juízo eterno Não muda, se o rogar do arrependido Em crástino tornar fato hodierno. “A mim e às leis esse outro há transferido À Grécia, do Pontífice em proveito: Boa intenção mau fruto há produzido. “Conhece agora que o maligno efeito Dessa obra pia lhe não é nocivo, Posto haja o mundo horrendo desproveito. “O que vês do sobrolho no declive Guilherme é, por quem chora o reino opresso De Frederico e Carlo ao mando esquivo. “Conhece agora bem com quanto excesso Ao Rei justo ama o céu: do seu semblante Ainda no fulgor se mostra expresso. “Quem crer pudera em vosso mundo errante Que entre estas luzes santas quinta seja Rifeu Troiano, da justiça amante? “Conhece agora que mistério esteja Na Graça — aquilo, que inda o mundo ignora — Bem que o fundo inefável não lhe veja.” — Qual codorniz que os vôos seu demora, Paira cantando e cala-se, enlevada Nas doçuras finais da voz sonora: Tal parece-me a imagem sinalada Pelo eterno prazer, que, a seu desejo, Faz que seja quanto é cousa criada. Posto a dúvida minha neste ensejo, Como no vidro a cor, fosse patente, Não mais espero a solução, que almejo. Cedendo à força do seu peso urgente. Prorrompo logo: — Que mistério imenso! — Da águia o júbilo fez-se mais fulgente. Brilho tendo nos olhos mais intenso A sacrossanta forma respondia Por não mais ter-me atônito e suspenso: — “Bem vejo que tu crês” — assim dizia — “Não porque entendas, mas porque assevero: Ocultas cousas são, mas fé te guia. “És como quem da cousa o nome vero Aprende; mas inota fica a essência, Se não a explica espírito sincero. “Dos céus o reino sofre um violência Do ardente amor e da esperança viva, Que triunfam da própria Onipotência. “Mas não é, qual vitória humana, esquiva: Vencido é Deus por ser assim servido; Tem, vencido, vitória decisiva. “Maravilhado, ao veres, te hás sentido, Do meu sobrolho a luz quinta e primeira Neste império aos eleitos concedido. “Não morreram gentios: crença inteira No Redentor futuro ou no já vindo Tinham antes da hora derradeira. “À vida um, lá do inferno ressurgindo, Onde não se corrige o condenado, A mercê recebeu anelo infindo, “Vivo anelo, que ardor tanto empenhado Em suplicar a Deus tal graça havia, Que pôde o seu querer ser abalado. “Quando voltou à carne e à luz do dia, Em que não fez detença a alma ditosa, Naquele há crido que a salvar podia; “E foi na fé, no amor tão fervorosa, Que ao passar nova morte há merecido Sublimar-se à existência gloriosa. “E do outro, pela Graça protegido, Que provém de uma origem tão profunda, Que a nascente olho algum não lhe há sabido, “Foi no amor à justiça sem segunda: De graça em graça a Redenção futura Mostrou-lhe Deus revelação jucunda. “À fé se entrega; e a sua mente pura A perversão gentílica rejeita, Do mundo repreendendo a vida impura “As damas três que achavam-se à direita, Do carro, o seu batismo efetuaram, Anos mil precedendo a lei perfeita. “Ó predestinação! Não te alcançaram A raiz esses olhos, que a primeira Cousa jamais ao todo interpretaram. “Mortais! Oh! não julgueis tão de carreira! Porque nós que Deus vemos não sabemos Dos preferidos seus a grei inteira. “Esta ignorância por ditosa havemos; Que o nosso bem por este bem se afina, De ser quanto Deus quer o que queremos.” — Por essa imagem de feição divina Assim, para aclarar-me a curta vista, Dada me foi suave medicina: E como a um bom cantor bom citarista Acompanha, vibrar fazendo a corda, E desta arte mais graça o canto aquista, Assim a fala (a mente me recorda) Da ave santa os luzeiros dois seguiam Como dos olhos o bater concorda, Com sua voz igualmente se moviam.
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