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  • A Invenção do Diabo
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  • Deus, entregando ao Diabo a metade do mundo, Deu-lhe a parte pior, como era de razão; E, para arrecadar seu patrimônio, o Imundo Foi forçado a varrer todo o cisco do chão. Tomando para si todo o imenso tesouro Da Bondade e da Luz, do Amor e da Harmonia, Pode o Senhor fazer esbanjamento de ouro Nas estrelas da noite e no esplendor do dia. Pode esparzir na areia as pérolas do orvalho, Marchetar de rubis a asa de um beija-flor, Fazer a primavera — e por em cada galho O gorjeio de uma ave e o riso de uma flor...
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  • A Invenção do Diabo
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Autor
  • Vicente de Carvalho
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  • Deus, entregando ao Diabo a metade do mundo, Deu-lhe a parte pior, como era de razão; E, para arrecadar seu patrimônio, o Imundo Foi forçado a varrer todo o cisco do chão. Tomando para si todo o imenso tesouro Da Bondade e da Luz, do Amor e da Harmonia, Pode o Senhor fazer esbanjamento de ouro Nas estrelas da noite e no esplendor do dia. Pode esparzir na areia as pérolas do orvalho, Marchetar de rubis a asa de um beija-flor, Fazer a primavera — e por em cada galho O gorjeio de uma ave e o riso de uma flor... A Satanás, porém, coube em partilha a treva, O ódio como prazer, como covil um poço, E ele lá no seu reino escuro a vida leva De um cão magro a que dão muita pancada e um osso. E, enquanto a mão de Deus, abrindo-se, semeia Astros de ouro no céu, messes de ouro no pó, Satanás, furioso, a mão sacode, cheia De lepra e maldição como o punho de Jó. Só uma vez Satã respirou satisfeito, E arregaçou-lhe o beijo um pérfido sorriso: Quando, acaso, ao sair do seu covil estreito, De repente se achou dentro do Paraíso. A primeira impressão que teve foi de inveja: Daquele estranho quadro o imprevisto esplendor, Só lhe pode arrancar à boca malfazeja Uivos de cão ferido, imprecações de dor. Mas, de repente, como o corisco clareia O tenebroso céu nas borrascas de agosto, Uma idéia triunfante, uma sinistra idéia, Fuzilou-lhe no olhar e iluminou-lhe o rosto. Sobre um macio chão todo em musgos e rosas, Eva, formosa e nua, adormecera ao luar: E sobre a alva nudez dessas formas graciosas Satã deixou cair um desdenhoso olhar... Mas num sonho talvez de cousas ignoradas, Num desejo sem alvo, imperfeito e indeciso, Eva os lábios abriu — e abriram-se, orvalhadas, De um suspiro de amor, as rosas de um sorriso. Espantado, Satã viu que esse mármore era Animado e gentil, ardente e encantador; Como um resumo viu de toda a primavera Na frescura sem par daquela boca em flor. E foi somente então que o Príncipe das Treva Imaginou o Amor furioso e desgrenhado, E resolveu fazer dos róseos lábios de Eva O cálix consagrado às missas do Pecado. Lábios feitos de mel, de rosas ao sereno, De céu do amanhecer franjado em rosicler... Entreabriu-os Satã, e enchendo-os de veneno, Sorriu. Tinha inventado o beijo da mulher.
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