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  • A Divina Comédia/Purgatório/XXVIII
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  • Daquela encosta a me afastar dou pressa. Pela veiga me interno a passo lento, Doce aroma sentindo, que não cessa. Do ar, que circulava, o doce alento, Mas sempre igual, a fronte me afagando, Tinha o bafejo de suave vento. As folhas, molemente balouçando, Do santo monte à parte se inclinavam, A que a sombra primeira vai baixando. Mas, no meneio seu, não se acurvavam Em modo, que na rama aos passarinhos Os hinos perturbassem, que entoavam. Pousados ledamente entre os raminhos Saudavam com seus cantos a alvorada Da fronde os acordando aos murmurinhos; Rosto volvi depois à dama bela.
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  • Purgatório, Canto XXVIII
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  • por Dante Alighieri, tradução de José Pedro Xavier Pinheiro
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  • Daquela encosta a me afastar dou pressa. Pela veiga me interno a passo lento, Doce aroma sentindo, que não cessa. Do ar, que circulava, o doce alento, Mas sempre igual, a fronte me afagando, Tinha o bafejo de suave vento. As folhas, molemente balouçando, Do santo monte à parte se inclinavam, A que a sombra primeira vai baixando. Mas, no meneio seu, não se acurvavam Em modo, que na rama aos passarinhos Os hinos perturbassem, que entoavam. Pousados ledamente entre os raminhos Saudavam com seus cantos a alvorada Da fronde os acordando aos murmurinhos; Assim de Chiassi no pinhal soada De ramo em ramo corre quando a amara Prisão, abre ao mestre Eolo a entrada. Com demorado andar eu caminhara Na selva antiga tanto, que não via Mais o lugar, por onde penetrara. Eis andar um ribeiro me tolhia, Que, à sestra deslizando-se, beijava A ervinha, que às margens lhe crescia: O cristal dessa linfa superava Da terra água a mais pura e transparente; Quanto continha em si patente estava. Entanto, pela sombra permanente, Que luz da lua ou sol nunca atravessa, Negreja aquela plácida corrente. O pé detenho, e a vista se arremessa Além do humilde rio, contemplando Primores, com que maio se adereça, Então se of?rece aos olhos, como quando De súbito um portento surge à mente, De outro pensar qualquer a desviando, Uma dama sozinha de repente, Que, cantando, escolhia, de entre as flores, Que o chão cobriam de matiz ridente. — “Bela dama, que sentes os fervores Do amor divino, se por teu semblante Da tua alma julgar devo os ardores” — Assim falei — “se caminhar avante Até perto do rio te aprouvera, Te entendera esse canto inebriante. “Tão linda, em tal lugar, lembras qual era Prosérpina, ao perdê-la a mãe querida E ao perder também ela a primavera.” — Qual menina, que em danças entretida, Gira ligeira em terra deslizando, Os passos troca e volve-se garrida, Sobre o esmalte das flores se voltando, A mim se dirigiu, como donzela Que vai, modesta, os olhos abaixando. Quanto o desejo meu sôfrego anela Acercou-se e da angélica toada Distinta pude ouvir a letra bela. Logo em chegando à borda em que banhada A erva era da linfa cristalina, De olhar-me fez a graça assinalada. Não creio que na vista peregrina De Vênus lume tal resplandecesse Ao feri-la de amor seta mali?na. De fronte aos olhos a sorrir se of?rece. As mãos de lindas flores tendo plenas, De que espontâneo o solo se guarnece. A nós três passos interpõem apenas: O Helesponto que Xerxes transcendera, Lição em que há para os soberbos penas, Em Leandro mais ódio não movera, Quando entre Sesto e Ábidos nadava, Do que o rio que tanto estorvo me era. — “Sois recém-vindos” — ela assim falava — “Meu riso ao ver-vos no lugar eleito À humana raça, quando à luz brotava, “Talvez vos maravilhe por suspeito. Se lembrado o salmo Delectasti, De todo o engano vos será desfeito. “Tu, que estás adiante e me falaste Que mais ouvir desejas? Eis-me presta Explicação a dar-te, quanto baste.” — — “Esta água” — torno — “e o som desta floresta Opõem-se à minha fé na maravilha. Que eu tinha ouvido e que é contrária a esta.” — — “Eu te direi a causa, de que é filha A razão que te move essa estranheza; Terás, em vez de névoa, a luz que brilha. “O Bem, que em si somente se embeleza, Apto ao bem fez o home?; em arras deu-lhe De eterna paz à edênica riqueza. “A culpa sua este alto dom tolheu-lhe; A culpa sua em prantos, em desgostos Os prazeres, os risos converteu-lhe. “A fim de que efeitos, que, compostos São de eflúvios das águas e da terra, Para o calor acompanhar dispostos, “Ao homem não fizessem qualquer guerra, Tão alta há se elevado esta montanha, Que é livre desde o ponto onde se encerra. “E porque todo o ar, por força manha, Roda ao impulso do motor primeiro, Quando estorvo nenhum seu giro acanha, “Este cimo elevado e sobranceiro Pelo éter vivo ao moto é tão batido, Que o denso bosque remurmura inteiro: “E sendo em cada um tronco percutido, A virtude transmite fecundamente Ao ar, que a esparge, em torno revolvido. “A terra, como é apta, circunstante Por si ou por seu céu plantas concebe De gênero e virtude variante. “E pois, já claramente se percebe Como planta há viçosa e florescente, Quando o germe a terra não recebe. “Sabe que até jardim toda semente Do que a terra produz em si compreende E contém fruto inoto à humana gente. “Esta água de uma origem não depende, Que alimente vapor que em chuva desça, Como rio que seca ou que se estende. “De fonte certa vem que nunca cessa, Pois por querer que Deus tanta dimana, Quanta aqui por canais dois se arremessa. “A que neste álveo que ora vês, se encana Memória do pecado desvanece, Aviva a outra a da virtude humana. “É Letes, se por ela o mal se esquece, Eunoé quando lembra: atuam quando O gosto de uma e de outro homem conhece. “Saber igual aos outros comparando Não existe ao desta água. Ao teu pedido Satisfação hei dado assim falando. “Corolário, porém, lhe seja adido: Não receio que assim te desagrade, Indo além do que fora prometido. “Poetas que cantavam de ouro a idade E sua dita, em Parnaso, certamente Sonharam desta estância a f?licidade. “Estirpe humana aqui fora inocente; Eterna primavera aqui domina; Foi este néctar, que inventou sua mente.” — Então a vista aos Vates se me inclina. Um sorriso em seus lábios se revela, Esse conceito ouvindo, em que termina. Rosto volvi depois à dama bela.
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