abstract
| - "Lua, só meu amor é fiel tempo em fora... Muda o céu, que se alegra à madrugada, e pelas Sombras do entardecer todo entristece, e chora Marejado de estrelas; Ora em pompas, a terra, ora desfeita e nua — Como a folha que vai arrastada na brisa — Aos caprichos do tempo inconstante flutua Indecisa, indecisa... Desfolha-se, encanece em musgos, aos rigores Do céu mostra a nudez dos seus galhos mesquinhos, A árvore que viçou toda folhas e flores, Toda aromas e ninhos: Cóleras de tufão, pompas de primavera, Céu que em sombras se esvai, terra que se desnuda, A tudo o tempo alcança, e a tudo o tempo altera... — Só o meu amor não muda! Há mil anos que eu vivo a terra suprimindo: Hei de romper-lhe a crosta e cavar-lhe as entranhas, Dentro de vagalhões penhascos submergindo, Submergindo montanhas. Hei de alcançar-te um dia... Embalde nos separa A largura da terra e o fraguedo dos montes... Hei de chegar aí de onde vens, nua e clara, Subindo os horizontes. Um passo para ti cada dia entesouro; Há de ter fim o espaço, e o meu amor caminha... Dona do céu azul e das estrelas de ouro, Um dia serás minha! E serei teu escravo... À noite, pela calma Rendilharei de espuma o teu berço de areias, E há de embalar teu sono e acalentar tua alma O canto das sereias. Quando a aurora romper no céu despovoado, Tesouros a teus pés estenderei, de rastros... Ser amante do mar vale mais, sonho amado, Que ser dona dos astros. Deliciando-te o olhar, afagando-te a vista, Todo me tingirei de mil cores cambiantes, E abrir-se-á de meu seio a brancura imprevista Das ondas arquejantes. Levar-te-ei de onda e monda a vagar de ilha em ilha, Tranquilas solidões, ermas como atalaias, Onde o marulho canta e a salsugem polvilha A alva nudez das praias. Ao longe, de repente assomando e fugindo, Alguma vela, ao sol, verás alva de neve: Teus olhos sonharão enlevados, seguindo Seu vôo claro e leve; Sonharão, na delícia indefinida e vaga De sentir-se levar sem destino, um momento, Para além... para além... nos balanços da vaga, Nos acasos do vento. Far-te-ei ver o país, nunca visto, da sombra, Onde cascos de naus arrombadas, a espaços Dormem o último sono, estendido na alfombra De algas e de sargaços. Opulentos galeões, pelas junturas rotas, Vertem ouro, troféus inúteis, vis monturos, Que foram conquistar às praias mais remotas, Pelos parcéis mais duros: Flâmula ao vento, proa em rumo ao largo, velas Desfraldadas, varando ermos desconhecidos, Rudes ondas, tufões brutais, turvas procelas, Sombra, fuzis, bramidos, Todo o estranho pavor das águas afrontando, Altivos como reis e leves como plumas, Iam de golfo em golfo, em triunfo arrastando Uma esteira de espumas. Ei-los, carcassas vis donde o ouro em vão supuro, Esqueletos de heróis... dei-os em pasto à fome Silenciosa e sutil da multidão obscura, Dos moluscos sem nome. Essa estranha região nunca vista, hás de vê-la, Onde, numa bizarra exuberância, a flora Rebenta pelo chão pérolas cor de estrela E conchas cor de aurora; Onde o humilde infusório aspira ás maravilhas Da glória, sonha o sol, e, dos grotões mais fundos De meu seio, levanta a pouco e pouco as ilhas, Arquipélagos, mundos... Lua, eu sou a paixão, eu sou a vida... Eu te amo. Paira, longe, no céu, desdenhosa rainha!... Que importa? O tempo é vasto, e tu, bem que reclamo! Um dia serás minha! Embalde nos afasta e embalde nos separa A largura da terra e o fraguedo dos montes: Hei de chegar aí de onde vens, nua e clara, Subindo os horizontes..." ---
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* Na quietação da noite apenas tumultua Quebrada de onda em onda a voz brusca do mar: Corta o silêncio, agita o sossego, flutua E espalha-se no luar... Categoria:Poesia brasileira Categoria:Vicente de Carvalho
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