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  • A Mendiga
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  • Eu sonhei durante a noite... Que triste foi meu sonhar! Era uma noite medonha, Sem estrelas, sem luar. E ao través do manto escuro Das trevas, meus olhos viam Triste mendiga formosa, Qu'infortúnios consumiam. Era uma pobre mendiga, Porém, cândida donzela; Pudibunda, afável, doce, Amorosa, e casta, e bela. Vestia rotos andrajos, Que o seu corpo mal cobriam; Por vergonha os olhos dela Sobre ela se não volviam. Pelas costas descobertas Cortador o frio entrava; Tinha fome e sede, - e o pranto Nos seus olhos borbulhava.
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  • A Mendiga
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notas
  • Publicado no livro Primeiros Cantos .
Autor
  • Gonçalves Dias
abstract
  • Eu sonhei durante a noite... Que triste foi meu sonhar! Era uma noite medonha, Sem estrelas, sem luar. E ao través do manto escuro Das trevas, meus olhos viam Triste mendiga formosa, Qu'infortúnios consumiam. Era uma pobre mendiga, Porém, cândida donzela; Pudibunda, afável, doce, Amorosa, e casta, e bela. Vestia rotos andrajos, Que o seu corpo mal cobriam; Por vergonha os olhos dela Sobre ela se não volviam. Pelas costas descobertas Cortador o frio entrava; Tinha fome e sede, - e o pranto Nos seus olhos borbulhava. E qual vemos dos céus descendo rápido Um fugaz meteoro, vi descendo Um anjo do Senhor; - Parou sobre ela, E mudo a contemplava. - Uma tristeza Simpática, indizível pouco e pouco Do anjo nas feições se foi pintando: Qual tristeza de irmão que a irmã mais nova Conhece enferrna e chora. - Ela no peito Menor sentiu a dor, e humilde orava. De um vasto edifício nas frias escadas Eu vi-a sentada; - era um templo, diziam, Secreto concílio de sócios piedosos, Que o bem tinha juntos, que bem só faziam. Defronte um palácio soberbo se erguia, E dele partia confuso rumor: - A dança girava, e a orquestra sonora Cantava alegria, prazeres e amor. E quando ao palácio um conviva chegava, Rugindo se abria o ruidoso portão; Eflúvios de incenso nos ares corriam Da rua esteirada com vivo clarão. E a triste mendiga ali 'stava ao relento, Com fome, com frio, com sede e com dor; E eu vi o seu anjo, mais triste no aspecto, Mais baço, mais turvo da glória o fulgor. E à porta do vasto sombrio edifício Um vulto chegou. - Senhor, uma esmola! bradou-lhe a mendiga E o vulto parou. E rude no acento, no aspecto severo, Lhe disse: - O teu nome? Tornou-lhe a mendiga: - Senhor, uma esmola, Que eu morro de fome. - Não, dizes teu nome? lhe torna o soberbo - Sou órfã, sozinha; Meu nome qu'importa, se eu sofro, se eu gemo, Se eu choro mesquinha!" - Em vis meretrizes não cabe esse orgulho, Tornou-lhe o Senhor, Que à noite, nas trevas, contratam no crime, Vendendo o pudor. E a porta do templo - erguido à piedade Com força batia; Co'o peso do insulto acrescido à crueza, A triste gemia. Ouvi depois um rodar que a todo o instante Mais distinto se ouvia; e logo um forte, Fascinador clarão por toda a rua Se derramou soberbo. - Infindos pajens Ricas librés trajando, mil archotes Nos ares revolviam; - fortes, rápidos, Fumegantes corcéis, sorvendo a terra, Tiravam rica sege melindrosa. Sobre a terra saltou airosa e bela A dona, em frente do festivo paço; E a mendiga bradou: - Senhora minha, Dai uma esmola, dai! - À voz dorida Volveu-se o rosto d'anjo, porém d'anjo Não era o coração; - foi-lhe importuno, Mais que importuno... da mesquinha o grito! E da mendiga o protetor celeste Parecia falar em favor dela; E a rica dona o escutava, como Se ouvisse a interna voz que dentro mora. E eu dizia também - Ó bela Dona, Dai-lhe uma esmola, daí; - de que vos serve Um óbolo mesquinha, que não pode Sequer um dixe sem valor comprar-vos? Ah! bela como sois, que vos importam Custosas flores, com que ornais a fronte? Para a salvar do vórtice do crime, O preço delas, uma só, da coisa, Que sem valor julgardes, é bastante. Sabeis? - Além da vida, além da morte, Quando deixardes o ouropel na campa, Quando subirdes do Senhor ao trono, Sem andrajos sequer, também mendiga, Ali tereis as lágrimas do pobre, A bênção do afligido, a prece ardente Do que sofrendo vos bendisse, - ó Dona. Fechou-se a porta festival sobre ela! E a donzela se ergueu, corou de pejo, Lançando os olhos pela rua escusa, E segura no andar, e firme, à porta Do palácio bateu - entrou - sumiu-se. E o anjo, como aflito sob um peso, Um gemido soltou; era uma nota Melancólica e triste, - era um suspiro Mavioso de virgem, - um soído Subtil, mimoso, como d'Harpa Eólia, Que a brisa da manhã roçou medrosa. Dos muros ao través meus olhos viram Soberba roda de convivas, - todos Veludos, sedas, e custosas galas Trajavam senhoris. - Reinava o jogo Avaro e grave, leda e viva a dança Em vórtices girava, a orquestra doce Cantava oculta; condensados, bastos, Em redor do banquete estavam muitos. A mendiga ali estava, - não trajando Sujos farrapos, mas delgadas telas. Choviam brindes e canções e vivas À Deusa airosa do banquete; todos Um volver dos seus olhos, um sorriso, Uma voz de ternura, um mimo, um gesto Cobiçavam rivais; - e ali com ela, Como um raio do sol por entre as nuvens Lá na quadra hibernal penetra a custo Quase sem vida, sem calor, sem força, Menos brilhante vi seu anjo belo. Nos curtos lábios da feliz mendiga Passava rápido um sorriso às vezes; Outras chorava, no volver do rosto, Na taça do prazer sorvendo o pranto. Encontradas paixões sentia o anjo: Parecia chorar co'o seu sorriso, Parecia sorrir co'o choro dela.
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