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| - Descansava no seio então Diogo, Extinta a guerra, de uma paz dourada, E o pavor do sulfúreo horrível fogo Trazia a gente bárbara assombrada. A remotas nações concorrem logo, Desde a interna região mais apartada, E, tendo-o do trovão por viva imagem, Vinha todo o sertão dar-lhe homenagem. II Muitos deles, dos povos subjugados, Que o efeito viram da terrível chama, Outros vinham somente convocados Das heróicas ações, que conta a fama; Trazem plumas e bálsamos prezados, E outra rude opulência, que o povo ama, E com os dons da americana Ceres Oferecem-lhe as filhas por mulheres. III Era antigo dos bárbaros costume, Quando algum capitão foi bravo em guerra, Ou se julgavam que o regia um nume, Emparentá-lo aos principais da terra; Qualquer que de nobreza então presume Do grão-Caramuru que tudo aterra, Procura, como nobre preminência, Ter na sua prosápia a descendência. IV Tuibaé, dos Tapuias chefe antigo, Tiapira lhe oferece celebrada; E com a mão da filha deixa amigo Uma ilustre aliança confirmada. Xerenimbó trazia-lhe consigo A formosa Moema já negada A muitos principais, por dar-lhe esposo Digno do trono de seus pais famoso. V Muitas outras donzelas brasilianas A mão do claro Diogo pretendiam, Ou por prendas, que notam soberanas, Ou por grandes ações, que dele ouviam: A todas ele deu mostras humanas Sem a fé lhe obrigar que pretendiam; Mas, por não ofender as brutas gentes; Trata os pais e os irmãos como parentes. VI Paraguassu, porém, com fé de esposo Parecia estimar distintamente, Mostrando-lhe no afeto carinhoso A sincera afeição que n'alma sente: Amava nela o peito valoroso, E o gênio dócil, com que à fé consente; Amor que ocasionou, como é costume, Em algumas inveja e noutras ciúme. VII Todas, à bela dama aborrecendo, Conspiram feras em tirar-lhe a vida; Mas ela, que o projeto alcança horrendo, Deixar pretende a pátria aborrecida; E, na viagem de Europa discorrendo, Deseja renascer à melhor vida: Impulso santo, que com justa idéia Move Diogo a deixar aquela areia. VIII Agitado do vário pensamento, Na margem se entranhou do vasto rio, Que, invocando o Seráfico portento, Chama de S. Francisco o Luso pio. E, estando o sol no seu maior aumento, Quanto sítio no ardor busca sombrio, Numa lapa, que esconde alto mistério, Foi achar para a calma o refrigério. IX Por mil passo a penha milagrosa Estende em roda o giro dilatado; Obra da natureza prodigiosa, Quando o globo terráqueo foi criado. Concavidade há ali vasta, espaçosa, Onde tinha o Criador delineado, Com capela maior, nave e cruzeiro, Um templo, como os nossos, verdadeiro. X Largo trinta e três passos se estendia O grão-cruzeiro; a longitude da mole Por mais de outros oitenta discorria, Lugar que não pisara humana prole. O prospeto exterior de pedraria, O interior pavimento é terra mole; De jaspe se levanta a grã-portada, Entre torres marmóreas fabricada. XI Dentro vêem-se magníficas capelas, Sustentadas de esplêndidas colunas; Pelo teto entre nuvens giram estrelas, E sobre o rio a um lado tem tribunas, Que, servindo-lhe a um tempo de janelas, Dão luz a todo o templo; e, quando lhe unas Quantos prodígios o lugar encerra, Maravilha maior não cobre a terra. XII Capela ali se vê de entalho nobre, Obrado com desenho estranho e vário, Onde, efigiado em mármore, se cobre Um natural belíssimo Calvário; Vê-se a base da cruz, mas nada sobre, De jaspe ainda melhor que Egízio, ou Pário, E ao lado um posto em proporção distinta, Onde a mãe e discípulo se pinta. XIII Chegado Diogo a ver prodígio tanto, Pelo estranho espetáculo suspenso, Penetra-se no peito de horror santo, Por não sei quê sagrado oculto senso. Depois, rompendo num devoto pranto, Prostrado em terra, adora o Deus imenso, Que, quando ser ao mar e à terra dava, O alicerce à grã-fábrica lançava. XIV "Eis aqui preparado (disse) o templo, Falta a fé, falta o culto necessário; E quanto era de Deus, feito contemplo Tudo o que é de salvar meio ordinário. Desta intenção parece ser exemplo Este insigne prodígio extraordinário, Onde parece que no templo oculto Tem disposto o lugar e espera o culto. XV Quis mostrar nesta imagem porventura Que esta gente brutal não desampara, E que a qualquer humana criatura O remédio da cruz justo prepara; Que a estes do seu sangue dera a cura, Se aos instintos, que têm, não repugnara; Que advogada nos deu de empresa tanta, Preparando o lugar à Virgem Santa. XVI Oh queira, grão-Senhor, vossa bondade Suprir neles e em mim tanta miséria! Pois de todo salvar tendes vontade, Que por este sinal mostrais tão séria; Que, se olhais para a nossa iniqüidade, Achareis de punir tanta matéria, Que a antiga culpa pelos seus abrolhos A ninguém deixa justo aos vossos olhos." XVII Dali, sulcando o rio caudaloso, Vai o noto recôncavo buscando, Por ver se inchada vela o pego undoso A rumo oriental vai navegando. Nem temeria o pélago espaçoso Ir na leve canoa atravessando, Se o perigo, que imenso considera, Pelo dano da esposa não temera. XVIII Ergue-se sobre o mar alto penedo, Que uma angra à raiz tem, das naus amparo, Onde das ramas do entrechado enredo Causa o verde prospeto um gosto raro. Ali, morro coberto de arvoredo A quem passeia o mar serve de faro; Dão-lhe nome da costa os experientes Do glorioso apóstolo das gentes. XIX Aqui vê Diogo um casco, que encalhara, Onde n'água se oculta hórrida penha, Porque, ignorando a costa, se arrojara, Sem que esperança de socorro tenha. Vê, como a chusma em terra se salvara, Que a brutal gente cativar se empenha; E, presumindo o que era, na canoa A defender os seus remando voa. XX E, temendo que cedam enganados Ao bárbaro cruel os naufragantes, Ou que fiquem sem armas cativados Nas mãos desses penhascos ambulantes, Faz-lhes sinais e deixa-os avisados, Fazendo ver as armas rutilantes, Da areia infinda e do cruel perigo, E o seu socorro lhes of’rece amigo. XXI E, quando a tiro de canhão se via, Fez que se ouvisse a formidável tromba, E ao eco do tambor que lhe batia Dispara ao tempo mesmo a horrível bomba. Treme de espanto o bárbaro, que ouvia; E este pasma, outro foge, aquele tomba; E, o grão-Caramuru já divisando, Correm todos humildes ao seu mando. XXII Unidos do bom Diogo à comitiva Socorrem com presteza a vela rota, Onde a gente das águas semi-viva Vão leves conduzindo à praia nota. Salvou-se-lhe a equipagem toda viva; E, para os preparar à grã-derrota, Faz que a bárbara gente, dando ajuda, A aflita multidão piedosa acuda. XXIII Paraguassu, porém, com pio aviso Cuida em prover de roupas e sustento, E, quanto lhe é possível, de improviso Restab'lece-lhe as forças co alimento, Depois que se saciaram do preciso, Diogo, que o caso seu recorda atento, Logo que a turba vê contente e junta, Donde vêm? aonde vão? quem são? pergunta. XXIV Um entre outros, que o Chefe parecia, E sobre os mais da chusma dominava, Depois de agradecer-lhe a cortesia Na castelhana língua em que falava, "Somos (disse) da nobre Andaluzia, Onde o chão Hispalense o Bétis lava, Sócios, se ouviste o nome, de Arelhano, E desde o reino viemos Peruano. XXV Se a fama a vós chegou do valoroso Domador das províncias peruanas, E se Pizarro no orbe tão famoso Não se ignora das gentes lusitanas, Fomos dele mandados pelo undoso Grão-rio, que em correntes desce insanas, Desde a grã-cordilheira, que iminente Aqui separa o ocaso do oriente. XXVI Novas ilhas buscando e novos mares, Depois de longos dias navegamos; Já com procelas, já com brandos ares, Ao conhecido oceano alfim chegamos. Os perigos, os casos singulares, Que por mais de mil léguas toleramos, Não contara, depois que no mar erro, A ter o peito de aço e a voz de ferro. XXVII De sessenta e mais línguas diferentes Vimos, descendo rio, em curso imenso, Incógnitas nações, bárbaras gentes, E um povo inumerável, vasto e denso. Montanhas vimos, campos mil patentes, E um terreno nas margens tão extenso, Que poderá ele só neste hemisfério Formar com tanto povo um vasto império. XXVIII Mil vezes com canoas belicosas Combatemos no rio e mil em terra, Perseguidos de tropas numerosas, Que ocupavam talvez o vale e a serra. Nem cessava nas margens perigosas De mil bravas nações a dura guerra, Até que, entrando nas ardentes zonas, Chegamos à região das Amazonas. XXIX Discorre com furor pela ribeira Vasto esquadrão de tropa feminina, Que, em postura e contenho de guerreira, Assaltar nossa frota determina. Sobre o sexo viril, turba grosseira, O feminino sexo ali domina, Onde no rio, por que a fama o conte, Recordamos o antigo Termodonte. XXX E já o hispano leão domado houvera Das Amazonas o terreno infausto, Se do clima infeliz nos não morrera De mil fadigas Arelhano exausto. A gente, pois, que o capitão perdera, Não podendo esperar sucesso fausto, Sobre este bergantim, que ali se adorna, Ao solar pátrio, navegando, torna." XXXI "Não duvideis, responde o herói clemente, De achar em mim socorro poderoso; Que achais quem como vós do mar fremente Aprendeu na desgraça a ser piedoso. Tendes amiga mão, madeira e gente, Com que o casco, que vedes ruinoso, Reformando-se, torne do céu nosso À desejada Espanha e Bétis vosso." XXXII Disse; e, ordenando a turba americana, Assiste ao fabro na naval fadiga; E, quanto lhe permite a força humana, Faz que em breve o baixel seu rumo siga. Nem se demora mais a gente hispana, Que a convida a monção e o vento obriga: Soltam a branca vela ao fresco vento, E vão raspando o líquido elemento. XXXIII "Felizes vós, diz Diogo, afortunados, A quem da cara pátria é concedido Tornar hoje aos abraços desejados, Depois de tanto tempo a ter perdido, Enquanto eu nestes climas apartados Me vejo de seguir-vos impedido; Que fiar temo de tão débil lenho Outra vida que em mais que a própria tenho." XXXIV Dizendo assim, com calma vê lutando Formosa nau de gálica bandeira, Que a terra ao parecer vinha buscando, E a proa mete sobre a própria esteira. Vem seguindo a canoa, e sinais dando, Até que aborda a embarcação veleira, E, de paz dando a mostra conhecida, Às praias da Bahia a nau convida. XXXV A Gupeva entretanto e Taparica Dava o último abraço, e à forte esposa A intenção de levá-la significa, A ver de Europa a região famosa. Suspensa entre alvoroço e pena fica Paraguassu contente, mas saudosa: E, quanto o pranto na sentida fuga Começava a saudade, amor lho enxuga. XXXVI É fama então que a multidão formosa Das damas, que Diogo pretendiam, Vendo avançar-se a nau na via undosa, E que a esperança de o alcançar perdiam Entre as ondas com ânsia furiosa, Nadando, o esposo pelo mar seguiam, E nem tanta água que flutua vaga, O ardor que o peito tem, banhando apaga. XXXVII Copiosa multidão da nau francesa Corre a ver o espetáculo assombrada; E, ignorando a ocasião de estranha empresa, Pasma da turba feminil que nada. Uma, que às mais precede em gentileza, Não vinha menos bela do que irada; Era Moema, que de inveja geme, E já vizinha à nau se apega ao leme. XXXVIII "- Bárbaro (a bela diz), tigre e não homem... Porém o tigre, por cruel que brame, Acha forças amor que enfim o domem; Só a ti não domou, por mais que eu te ame. Fúrias, raios, coriscos, que o ar consomem. Como não consumis aquele infame? Mas apagar tanto amor com tédio e asco... Ah que o corisco és tu... raio... penhasco? XXXIX Bem puderas, cruel, ter sido esquivo, Quando eu a fé rendia ao teu engano; Nem me ofenderas a escutar-me altivo, Que é favor, dado a tempo, um desengano; Porém, deixando o coração cativo, Com fazer-te a meus rogos sempre humano, Fugiste-me, traidor, e desta sorte Paga meu fino amor tão crua morte? XL Tão dura ingratidão menos sentira E esse fado cruel doce me fora, Se a meu despeito triunfar não vira Essa indigna, essa infame, essa traidora. Por serva, por escrava, te seguira. Se não temera de chamar senhora A vil Paraguassu, que, sem que o creia, Sobre ser-me inferior, é néscia e feia. XLI Enfim, tens coração de ver-me aflita, Flutuar moribunda entre estas ondas; Nem o passado amor teu peito incita A um ai somente com que aos meus respondas! Bárbaro, se esta fé teu peito irrita, (Disse, vendo-o fugir), ah não te escondas! Dispara sobre mim teu cruel raio..." E indo a dizer o mais, cai num desmaio. XLII Perde o lume dos olhos, pasma e treme, Pálida a cor, o aspecto moribundo; Com mão já sem vigor, soltando o leme, Entre as salsas escumas desce ao fundo. Mas na onda do mar, que irado freme, Tornando a aparecer desde o profundo, - Ah! Diogo cruel! - disse com mágoa, E, sem mais vista ser, sorveu-se n’água. XLIII Choraram da Bahia as ninfas belas, Que, nadando, a Moema acompanhavam; E, vendo que sem dor navegam delas, A branca praia com furor tornavam. Nem pode o claro herói sem pena vê-las, Com tantas provas que de amor lhe davam; Nem mais lhe lembra o nome de Moema, Sem que ou amante a chore, ou grato gema. XLIV Voava entanto a nau na azul corrente, Impelida de um zéfiro sereno, E do brilhante mar o espaço ingente Um campo parecia igual e ameno. Encrespava-se a onda docemente, Qual aura leve, quando move o feno, E, como o prado ameno ris costuma, Imitava as boninas com a escuma. XLV Du-Plessis, que os franceses governava, Em uma noite clara à popa estando, Os casos de Diogo, que escutava, Admira no naufrágio memorando. Depois do herói prudente perguntava Quem achará o Brasil, o como e quando Ganhara no recôndito hemisfério Tanto tesouro o lusitano império? XLVI "Dois monarcas (responde o lusitano) Já sabes que no ocaso e no oriente Novos mundos buscaram pelo oceano, Depois de haver domado a Líbia ardente; E que onde não chegou grego, ou romano, Passeia o forte Hispano e a lusa gente, Que, instruídos na náutica com arte, Descobriram do mundo outra grã parte. XLVII Do Tejo ao China o Português impera, De um pólo ao outro o castelhano voa, E os dois extremos da redonda esfera Dependem de Sevilha e de Lisboa. Mas, depois que Colon sinais trouxera (Colon, de quem no mundo a fama voa) Deste novo admirável continente, Discorda com Castela o luso ardente. XLVIII Já se dispunha a guerra sanguinosa, Porém o comum pai aos dois intima Arbítrio na contenda duvidosa, Que a parte competente aos reis estima. Desde Roma Alexandre imperiosa, Deixando ambos em paz à empresa anima, E uma linha lançando ao céu profundo, Por Fernando e João reparte o mundo. XLIX Na vasta divisão que ao luso veio, O precioso Brasil contido fica, País de gentes e prodígios cheio, Da América feliz porção mais rica. Aqui do vasto oceano no meio Por horrível tormenta a proa aplica O ilustre Cabral com fausto acaso, Sobre graus dezesseis do nosso ocaso. L Da nova região, que atento observa, Admira o clima doce, o campo ameno, E, entre arvoredo imenso, a fértil erva Na viçosa extensão do áureo terreno. Coberta a praia está de grã-caterva De incógnita nação, que com o aceno, Porque a língua ignorava, à paz convida, Erguendo lhe o troféu do autor da vida. LI Era o tempo em que alegre ressuscita A verde planta, que murchou no inverno, E quando a solar meta o tempo excita, Em que o rei triunfou da morte eterno. Tão sagrada memória a frota incita A celebrar ao vencedor do inferno O sacrifício, dando a fé venera, A paixão, que em tal tempo sucedera. LII Em frondosa ramada o lusitano Um altar fabricou no prado extenso, Donde assista ao mistério soberano Da lusitana esquadra o povo imenso. Ao rei triunfante do infernal tirano Odorífero fuma o sacro incenso, E a vítima do céu, que a paz indica A gente e nova terra santifica. LIII Notar o americano ali contende Do sacrossanto altar o ato sublime; E, tanto a simples gente o aceno entende, Que parece que a ação por santa estime. Algum, que olhava ao celebrante, emprende O gesto arremedar, que orando exprime, E as mãos une e levanta, e talvez solta, E quando o vê voltar também se volta. LIV Como as nossas ações talvez espia O peloso animal, que o mato hospeda E quanto vê fazer, como à porfia, Tudo posto a observar, logo arremeda, Tal o gentio simples parecia, Quem nem um pé, nem passo dali arreda, E, ao santo sacrifício atento e mudo, O que aos mais viu fazer, fazia-o tudo. LV Aqui, depois que às turbas eloqüente Dita o sacro orador pelo conceito, E a fé dispensa no ânimo valente Do nobre povo a propagá-la eleito, Participa da veia a cristã gente, E o dom recebem com fiel respeito; E é fama que Cabral que os convocara, Montando sobre um alto, assim falara: LVI "Gloriosa nação, que a terra vasta Vais a livrar do paganismo imundo, A quem esse orbe antigo já não basta, Nem a imensa extensão do mar profundo! Neste oculto país, que o mar afasta, Tem teu zelo por campo um novo mundo; E quando tanta fé seus termos sonde, Outro mundo acharás, se outro se esconde. LVII Oh profundo conselho! Abismo imenso Do poder e saber do Onipotente! Que estivesse escondida no orbe extenso Tanta parte do mundo à sábia gente! Cinqüenta e cinco séculos sem senso Das nações deste vasto continente, E em tanta indagação dos sábios feita, Não cair-nos na mente nem suspeita! LVIII Mas combine-se o dia, o tempo, a hora, Em que a alta providência aqui nos guia, Quando à ignorância Cristo o perdão ora, Quando morre na cruz, no próprio dia: Na bandeira do mar triunfadora Tremulamos as chagas com fé pia, E nelas quis à grei, que em sombras langue, Vir neste dia a oferecer seu sangue. LIX Goza de tanto bem, terra bendita. E da cruz do Senhor teu nome seja! E quanto à luz mais tarde te visita, Tanto mais abundante em ti se veja! Terra de Santa Cruz tu sejas dita, Maduro fruto da Paixão na igreja, Da fé renovo pelo fruto nobre, Que o dia nos mostrou, que te descobre." LX Dizendo assim, ajoelha, e cruz entanto Sublime num outeiro se coloca; O exército formado ao sinal santo Se prostra humilde, pondo em terra a boca. Pasma o gentio, e admira com espanto A melodia com que céu se invoca, Hino entoando à cruz pios cantores, E respondendo as trompas e os tambores. LXI Terra, porém depois chamou a gente Do Brasil, não da Cruz; porque, atraída Doutro lenho nas tintas excelente, Se lembre menos dos que o foi da vida. Assim ama o mortal o bem presente, Assim o nome esquece, que o convida Aos interesses da futura glória, Aos bens atento só da transitória. LXII Observa o bom Cabral todo o prospeto Da imensa costa; e pelo clima puro, Pelo abordo tranqüilo e mar quieto, Chama o seio em que entrou Porto Seguro. E, olhando com saudade o doce objeto, Do seu destino, se lamenta escuro, Que pela empresa a que mandado fora Não permite na armada outra demora. LXIII Manda depois ao luso dominante Um aviso do clima descoberto; Nem tarda Manuel, então reinante A enviar um cosmógrafo, que experto Da escola fora que o famoso infante Para a náutica ciência tinha aberto, E Américo dispõe que o Brasil parta, De quem deu nome ao continente a carta. LXIV E por ter quem aos nossos interprete Do ignorado idioma a escura sorte, Alguns em terra condenados mete, Devidos por delito à crua morte; A vida como prêmio lhes promete, Quando com peito se atravessem forte A esperar no sertão nova viagem, Aprendendo os rodeios da linguagem. LXV Com acenos depois à gente bruta Os seus, que lhe deixava, recomenda, E no claro perigo, em que os reputa, Arma lhe deixa que na guerra ofenda. Dá-lhe a espécie, que ali bem se comuta, Em que possam tratar por compra e venda: Espelhos, cascavéis, anzóis, cutelos, Campainhas, fuzis, serra, martelos. LXVI Nem se demora mais a forte armada; E, convidando o vento, estende a vela. Corre a bárbara gente amontoada Ao embarque das naus da tropa bela; E, ao que pode entender-se, magoada Por saudade, que tem de mais não vê-la, Com acenos e voz enternecida Faziam a seu modo a despedida. LXVII Mais saudosos os tristes desterrados, Correndo imenso risco a língua aprendem, Recebendo alimentos comutados Pelas espécies que ao gentio vendem; Talvez os têm coa cítara encantados, Talvez com cascavéis todos suspendem; Mas o objeto que a vista mais lhe assombra É ver dentro do espelho a própria sombra: LXVIII Extático qualquer notando admira Dentro ao Cristal a horrível cara; Pergunta-lhe quem é, como se ouvira, E, crendo estar no inverso o que enxergara, De uma parte a outra parte o espelho vira E, não topando o vulto na luz clara, Tal há que o vidro quebra, por ver dentro Se a imagem acha que observou no centro. LXIX Mas, enquanto estes erram vagabundos, Américo Vespucci e o forte Coelho A longa costa e os seios mais profundos Demarcavam no náutico conselho; Descobridor também dos novos mundos Foi Jacques, na marinha experto e velho, De quem já demarcado em carta ouvimos Esse ameno recôncavo que vimos. LXX Eu depois destes na ocasião presente, Quando o vasto sertão nos encobria, Descobri, pondo em fuga a bruta gente, O recôncavo interno da Bahia: Notei na vasta terra a turba ingente Que mais Europa toda não teria, Se, da grã-cordilheira ao mar baixando, Desde o Prata ao Pará se for contando. LXXI Dá principio na América opulenta Às províncias do império lusitano O Grã-Pará, que um mar nos representa, Êmulo em meio à terra do oceano; Foi descoberto já (como se intenta), Por ordem de Pizarro, de Arelhano, País que a linha equinocial tem dentro, Onde a tórrida zona estende o centro. LXXII Em nove léguas só de comprimento, Vinte seis de circuito, se espraia No vasto Maranhão, de água opulento, Uma ilha bela que se estende à praia; Regam-lhe quinze rios o áureo assento, E um breve estreito, que lhe forma a raia, Pode passar por istmo, que a encadeia À terra firme por mui breve areia. LXXIII O Ceará depois, província vasta, Sem portos e comércio, jaz inculta. Gentio imenso, que em seus campos pasta, Mais fero que outros o estrangeiro insulta, Com violento curso ao mar se arrasta De um lago do sertão, de que resulta, Rio, onde pescam nas profundas minas As brasílicas pérolas mais finas. LXXIV Da fértil Paraíba não ocorre Que informe a gente vossa, sendo empresa Do comércio francês, que ali concorre A lenhos carregar que a Europa presa. Não mui longe da costa, que ali corre, Uma ilha vedes de menor grandeza, Que amena, fértil, rica, e povoada, É de Itamaracá de nós chamada. LXXV A oito graus do equinócio se dilata Pernambuco, província deliciosa, A pingue caça, a pesca, a fruta grata, A madeira entre as outras mais preciosa. O prospeto, que os olhos arrebata Na verdura das árvores frondosa, Faz que o erro se escuse a meu aviso De crer que fora um dia o paraíso. LXXVI Sergipe, então del-rei, logo o terreno De que viste a beleza e perspectiva; Nem cuido que outro visses mais ameno, Nem donde com mais gosto a gente viva. Clima saudável, céu sempre sereno, Mitigada na névoa a calma ativa; Palmas, mangues, mil plantas na espessura, Não há depois do céu mais formosura. LXXVII A quinze graus do sul, na foz extensa De um vasto rio, por ilhéus cortado, Outra província de cultura imensa Tem dos próprios ilhéus nome tomado: Depois Porto Seguro, a quem compensa O espaço da província limitado, Outra de âmbito vasto, que se assoma, E do Espírito Santo o nome toma. LXXVIII Niterói, dos tamoios habitada, Por largas terras seu domínio estende, Famosa região pela enseada Que uma grã-barra dentro em si comprende. Esta praia dos vossos freqüentada, Que pomo de discórdia entre nós pende, Custará, se pressago não me engano, Muito sangue ao francês e ao lusitano. LXXIX S. Vicente e S. Paulo os nomes deram Às extremas províncias que ocupamos; Bem que ao Rio da Prata se estenderam As que com próprio marco assinalamos, E, por memória de que nossos eram, De Marco o nome no lugar deixamos, Povoação que aos vindouros significa Onde o termo espanhol e o luso fica.
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