abstract
| - Amor! delírio — engano... Sobre a terra Amor também fruí; a vida inteira Concentrei num só ponto — amá-la, e sempre. Amei! — dedicação, ternura, extremos Cismou meu coração, cismou minha alma, — Minha alma que na taça da ventura Vida breve d'amor sorveu gostosa. Eu e ela, ambos nós, na terra ingrata Oásis, paraíso, éden ou templo Habitamos uma hora; e logo o tempo Com a foice roaz quebrou-lhe o encanto, Doce encanto que o amor nos fabricara. E eu sempre a via!... quer nas nuvens d'oiro, Quando ia o sol nas vagas sepultar-se, Ou quer na branca nuvem que velava O círculo da lua, — quer no manto D'alvacenta neblina que baixava Sobre as folhas do bosque, muda e grave, Da tarde no cair; nos céus, na terra, A ela, a ela só, viam meus olhos. Seu nome, sua voz — ouvia eu sempre; Ouvia-os no gemer da parda rola, No trépido correr da veia argêntea, No respirar da brisa, no sussurro Do arvoredo frondoso, na harmonia Dos astros inefável; — o seu nome! Nos fugitivos sons de alguma frauta, Que da noite o silêncio realçavam, Os ares e a amplidão divinizando, Ouviam meus ouvidos; e de ouvi-lo Arfava de prazer meu peito ardente. Ah! quantas vezes, quantas! junto dela Não senti sua mão tremer na minha; Não lhe escutei um lânguido suspiro, Que vinha lá do peito à flor dos lábios Deslizar-se e morrer?! Dos seus cabelos A mágica fragrância respirando, Escutando-lhe a voz doce e pausada, Mil venturas colhi dos lábios dela, Que instantes de prazer me futuravam. Cada sorriso seu era uma esp'rança, E cada esp'rança enlouquecer de amores. E eu amei tanto! — Oh! não! não hão de os homens Saber que amor, à ingrata, havia eu dado; Que afetos melindrosos, que em meu peito Tinha eu guardado para ornar-lhe a fronte! Oh! — não, — morra comigo o meu segredo; Rebelde o coração murmure embora. Que de vezes, pensando a sós comigo, Não disse eu entre mim: — Anjo formoso, Da minha vida que farei, se acaso Faltar-me o teu amor um só instante; — Eu que só vivo por te amar, que apenas O que sinto por ti a custo exprimo? No mundo que farei, como estrangeiro Pelas vagas cruéis à praia inóspita Exânime arrojado? — Eu, que isto disse, Existo e penso — e não morri, — não morro Do que outrora senti, do que ora sinto, De pensar nela, de a rever em sonhos, Do que fui, do que sou e ser podia! Existo; e ela de mim jaz esquecida! Esquecida talvez de amor tamanho, Derramando talvez noutros ouvidos Frases doces de amor, que dos seus lábios Tantas vezes ouvi, — que tantas vezes Em êxtase divino aos céus me alçaram, — Que dando à terra ingrata o que era terra Minha alma além das nuvens transportaram. Existo! como outrora, no meu peito Férvido o coração pular sentindo, Todo o fogo da vida derramando Em queixas mulheris, em moles versos. E ela!... ela talvez nos braços doutrem Com sua vida alimenta uma outra vida, Com o seu coração o de outro amante, Que mais feliz do que eu, infemo! a goza. Ela, que eu respeitei, que eu venerava Como a relíquia santa! — a quem meus olhos, Receando ofendê-la, tantas vezes De castos e de humildes se abaixaram! Ela, perante quem sentia eu presa A voz nos lábios e a paixão no peito! Ela, ídolo meu, a quem o orgulho, A força d'homem, o sentir, vontade Própria e minha dediquei, — sujeita À voz de alguém que não sou eu, — desperta, Talvez no instante em que de mim se lembra, Por um ósculo frio, por carícias Devidas dum esposo!... Oh! não poder-te, Abutre roedor, cruel ciúme, Tua funda raiz e a imagem dela No peito em sangue espedaçar raivoso! Mas tu, cruel, que és meu rival, numa hora, Em que ela só julgar-se, hás de escutar-lhe Um quebrado suspiro do imo peito, Que d'eras já passadas se recorda. Hás de escutá-lo, e ver-lhe a cor do rosto Enrubescer-se ao deparar contigo! Presa serás também d'atros cuidados, Terás ciúme, e sofrerás qual sofro: Nem menor que o meu mal quero a vingança.
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