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| - Se só por vós, Senhora, corpo e alma, Apesar da aversão que tenho ao crime, Inteiro me embucei nos seus andrajos, Em tremedal de vícios; Se só por vós descri do que era nobre, Porque envolto em torpeza imunda e feia, As vestes da virtude imaculada Rebolquei-as no lodo; Se só por vós persegue-me o remorso, Que os dias da existência me consome, E entre angústias cruéis minha alma anseia, — Ludíbrio dos meus erros: Consenti que a moral os seus direitos Reivindique uma vez, e que a minha alma Das lições que bebeu na pura infância Uma hora se recorde! Agora, agro censor, hão de os meus lábios, Duras verdades trovejando em verso, Fazer de vós, o que a razão não pôde, — Mulher ou estátua! Mentistes quando amor tínheis nos lábios. Mentistes a compor meigos sorrisos, Mentistes no olhar, na voz, no gesto... Fostes bem falsa!... Falsa, como a mulher que em bruta orgia Finge extremos de amor que ela não sente, E o rosto of’rece a ósculos vendidos, Ao sigilo de infâmia. Quantas vezes, Senhora, não caístes Humilhada, a meus pés, desfeita em pranto, Chorando — e que choráveis? — a jurar-me... — Que juráveis então? Se pois sentisses compaixão amiga A cair gota a gota dos meus lábios No que eu supunha cicatriz recente, e que era úlcera funda; Se me vistes os olhos incendidos, Sangrar-me o coração no peito aflito Ao fel das vossas dores, que azedáveis Co'o pranto refalsado: Ouvi! — não éreis bela, — nem minha alma Vos amou, que um modelo de virtudes, — Um sublime ideal — amou somente; Vós o não fostes nunca. Que uma alma como a vossa, já manchada, Aos negros vícios mais que muito afeita, Já feia, já corrupta, já sem brilho... Amá-la eu, Senhora! Deitar-me sob a copa traiçoeira, Que ao longe espalha a sombra, o engano, a morte; Recostar-me no seio onde outros dormem, Que por ninguém palpita! Beijar faces sem vida, onde se enxerga Visgo nojento d'ósculos comprados; Crer no que dizem olhos mentirosos, Em prantos de loureira! Antes curvar o colo envilecido Ao jugo vil da escravidão nefanda; Beijar humilde a mão que nos ofende, Que nos cobre de opróbio! Antes, possesso d'imprudência estúpida, Brincando remexer no açafate, Onde por baixo de mimosas flores, O áspide se esconde! Mas eu, nos meus acessos de delírio, Voz importuna de contínuo ouvia, Cá dentro em mim, a repr'ender-me sempre De vos amar... tão pouco! Assim o cego idólatra se culpa, Nos espasmos d'ascética virtude, De não amar assaz o vão fantasma, De suas mãos feitura. Porém se luz melhor de cima o aclara, Cospe afronte e desdém, e à chama entrega O cepo vil, que não merece altares, Nem d'ofrendas é digno! Releva-se a imprudência feminina, Inda um erro, uma culpa se perdoa, Se a desvaira a paixão, se amor a cega No mar de escolhos cheio. O Deus, que mais perdoa a quem mais ama, Talvez da vida a negra mancha apaga A quem as asas de algum anjo orvalha De lágrimas contritas. Mas não àquela, em cesto peito mora Torpeza só, — onde o amor se cobre De vícios — a nutrir-se d'impurezas, Como vermes de lodo. Se porém te aproveita o meu conselho, A quem, mais do que a mim, tens ofendido, Que entre os risos do mundo, vê tua alma E lê teus pensamentos; Se não crês noutra vida além da morte, Roga sequer a Deus, que te rompa A luz do sol divino da Justiça A máscara d'enganos! Que a rainha da terra inamolgável, — A dura opinião — te não entregue, Sozinha, e nua, e d'irrisão coberta, À popular vindita!
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