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  • A Divina Comédia/Purgatório/IV
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  • Se mostra à ação, de outra qualquer nascida; Verdade, que refuta a crença errada — Quem em nós uma alma está noutra acendida. E, pois, se vendo, ouvindo, alma engolfada, Lia-se à cousa, que a atenção cativa, Sem sentir vai-lhe o tempo à desfilada. Pois faculdade só no ouvir ativa Difere dessa, em que alma se domina: Uma presa, outra a vínculos se esquiva. Experiência ao claro isto me ensina. Aquela sombra atônito escutando, Já com cinqüenta graus o sol se empina, Sem que eu me apercebido houvesse, quando Ao ponto fomos, onde a turba, unida, — “Haveis o que anelais!” — disse, bradando.
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  • Purgatório, Canto IV
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  • por Dante Alighieri, tradução de José Pedro Xavier Pinheiro
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  • Se mostra à ação, de outra qualquer nascida; Verdade, que refuta a crença errada — Quem em nós uma alma está noutra acendida. E, pois, se vendo, ouvindo, alma engolfada, Lia-se à cousa, que a atenção cativa, Sem sentir vai-lhe o tempo à desfilada. Pois faculdade só no ouvir ativa Difere dessa, em que alma se domina: Uma presa, outra a vínculos se esquiva. Experiência ao claro isto me ensina. Aquela sombra atônito escutando, Já com cinqüenta graus o sol se empina, Sem que eu me apercebido houvesse, quando Ao ponto fomos, onde a turba, unida, — “Haveis o que anelais!” — disse, bradando. Estando a vinha já madurecida, Pelo aldeão de espinhos com braçada Da sebe a estreita aberta é defendida. Mais larga é que a vereda alcantilada Por onde fui subindo após meu Guia, Quando a grei nos deixou abençoada. A Noli e a San-Leo por árdua via Com pés se vai, Bismântua assim se alcança; Ter asas de ave aqui mister seria; Ou asas de um desejo, que não cansa, Para o vate seguir que, desvelado, Me servia de luz, me dava esp?rança. Por carreiro entre penhas escavado, Sempre de agudas pontas empecido, Pelas mãos cada passo era ajudado. Chegados da alta escarpa ao topo erguido Da eminência no dorso descoberto, — “Por onde ir”— disse então —“Mestre querido?” — “Eia!” — tornou — “não dês um passo incerto! Vai subindo após mim pela montanha; Guia acharemos no caminho esperto.” — Não mede a vista elevação tamanha: Linha que o centro corte de um quadrante, Por certo a ingrimidez não lhe acompanha. Sem forças já, falei-lhe titubante: — “Volve a face, pai meu: olha piedoso Que só me deixas, indo por diante” — — “Para ali, filho” — diz — “te alça animoso!” — E o seu braço indicava uma planura, Que torneia o declive temeroso. Dessas vozes esforça-me a doçura Tanto, que a rastos lhe seguia o passo Até meus pés tocarem nessa altura. Sentamo-nos a par, então, de espaço Ao nascente voltados, qual viageiro A estrada olhando, que calcara lasso; Abaixo os olhos dirigi primeiro, Ao sol voltei depois; notei pasmado Da esquerda o lume vir desse luzeiro. Disse Virgílio ao ver quanto enleado Stava, o carro da luz considerando Que era entre nós e o Aquilão entrado: — “Se um e outro hemisfério alumiando, Castor e Pólux junto a si tivera O vasto espelho, que ora está brilhando, “Da Ursa ainda mais propínqua à esfera, A roda do Zodíaco observaras, Se a costumada estrela não perdera. “Meditando, a verdade logo acharas, Se colocados de Sião o monte, E este outro na terra imaginaras, “Ambos guardando idêntico horizonte E hemisférios diversos, onde passa Estrada, em que tão mal correu Fetonte, “E se a razão em ti não for escassa, Verás que, enquanto a um vai por um lado, Ao outro pelo oposto o sol perpassa.” — — “Tanto ao claro jamais, ó Mestre amado, Como ora, o meu esp?rito compreendera, Quando estava por dúvida nublado. “Que o círc?lo médio da mais alta esfera, Que sempre Equador chama-se em certa arte Entre o inverno e o sol se considera, “Deve (se pude a mente penetrar-te) Para o norte volver-se, e, no entretanto, Viam-no Hebreus de Áustro pela parte. “Agora, se te apraz, dize-me quanto Hemos de andar; que os olhos, da eminência Não atingindo o fim, se enchem de espanto.” — — “Da montanha” — responde — “é a excelência Fadiga no começo causar grave; Quem mais sobe acha menos resistência. “Ao tempo, em que te parecer suave Tanto, que a subas ágil e ligeiro, Como descendo da água o curso a nave, “No termo te acharás deste carreiro: Após afã desfrutarás repouso: Quanto digo hás de ver que é verdadeiro” — Mal acabando o Mestre carinhoso, Perto soa uma voz: — “Talvez te seja, Antes de lá chegar, preciso um pouso.” — Volveu-se cada qual para que veja Quem falara; alta penha deparamos; Então só vemos que à mão sestra esteja. Multidão, cercando-nos, achamos Que à sombra demorava quietamente; Por desídia detidos os julgamos. Mostra-se um mais que os outros negligente: Sentado abraça as pernas, tendo o rosto Recostado aos joelhos, qual dormente. Disse então: — “Vê senhor, quanto disposto É à inércia o que ali stá parecendo: Como irmão da preguiça fica posto.” — Ele um pouco voltou-se olhos movendo Para o meu lado, sem mudar postura, — “Pois vai tu, que és valente!” — me dizendo. Reconheci quem era. Inda me dura Da agra ascensão em parte o grande ofêgo; Mas endereço os passos à figura. A fronte mal ergueu, quando me achego. — “Como conduz o sol carro à esquerda Tens reparado?” — disse com sossego. Por meneio tão lento e voz tão lerda Fui algum tanto a riso provocado. — “Belacqua” — disse eu — “mas a tua perda Não choro. Por que estás aqui sentado? Esperas guia? Acaso, como outrora, Da preguiça te sentes cativado?” — Tornou-me: — “Irmão, subir que importa agora? De Deus o anjo, que defende a entrada, Me deixaria dos martírios fora. “Tanto a porta me tem de ser vedada, Quanto no mundo me durara a vida: Pesei-me só a morte ao ver chegada. “Mas antes ser me pode permitida Pela oração de quem da Graça goza; Que vai outra, do céu desatendida?” — Mas o Vate seguia na penosa Jornada. — “Vem!” — dizia — “Resplandece O sol no meio-dia; e tenebrosa Sobre Marrocos ora a Noite desce.” —
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