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  • Sombra de D. Juan
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  • Cerraste enfim as pálpebras sombrias!... E a fronte esverdeou da morte à sombra, Como lâmpada exausta! E agora?... no silêncio do sepulcro Sonhas o amor... os seios de alabastro Das lânguidas amantes? E Haidéia, a virgem, pela praia errando, Aos murmúrios do mar que lhe suspira Com incógnito desejo Te sussurra delícias vaporosas... E o formosoestrangeiro adormecido Entrebeija tremendo? Ou a pálida fronte libertina Relembra a tez, o talhe voluptuoso Da oriental seminua? Ou o vento da noite em teus cabelos Sussurra e lembra do passado as nódoas No túmulo sem letras? II III IV V VI
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  • Sombra de D. Juan
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notas
  • .
Autor
  • Álvares de Azevedo
abstract
  • Cerraste enfim as pálpebras sombrias!... E a fronte esverdeou da morte à sombra, Como lâmpada exausta! E agora?... no silêncio do sepulcro Sonhas o amor... os seios de alabastro Das lânguidas amantes? E Haidéia, a virgem, pela praia errando, Aos murmúrios do mar que lhe suspira Com incógnito desejo Te sussurra delícias vaporosas... E o formosoestrangeiro adormecido Entrebeija tremendo? Ou a pálida fronte libertina Relembra a tez, o talhe voluptuoso Da oriental seminua? Ou o vento da noite em teus cabelos Sussurra e lembra do passado as nódoas No túmulo sem letras? Ergue-te, libertino! eu não te acordo Para que a orgia te avermelhe a face Que a morte amarelou... Nem para jogo e noites delirantes, E do ouro a febre e da perdida os lábios E a convulsão noturna! Não, ó belo Espanhol! Venho sentar-me À borda do teu leito, porque a febre Minha insônia devora... Porque não durmo quando o sonho passa E do passado o manto profanado Me roça pela face! Quero na sombra conversar contigo, Quero me digas tuas noites breves, As febres e as donzelas Que no fogo do viver murchaste ao peito! Ergue-te um pouco da mortalha branca, Acorda, Don Juan! Contigo velarei: do teu sudário Nas dobras negras deporei a fronte, Como um colo de mãe... E como leviano peregrino Da vida as águas saudarei sorrindo Na extrema do infinito! E quando a ironia regelar-se E a morte me azular os lábios frios E o peito emudecer... No vinho queimador, no golo extremo, Num riso... à vida brindarei zombando E dormirei contigo! II Mas não: não veio na mortalha envolto Don Juan, seminu, com rir descrido, Zombando do passado, Só além... onde as folhas alvejavam Ao luar que banhava o cemitério, Vi um vulto na sombra. Cantava: ao peito o bandolim saudoso Apertava, qual nu e perfumado A Madona seu filho; E a voz do bandolim se repassava... Mais languidez bebia ressoando No cavernoso peito. Do sombrero despiu a fronte pálida, Ergueu à lua a palidez do rosto Que lágrimas enchiam... Cantava: eu o escutei... amei-lhe o canto, Com ele suspirei, chorei com ele: — O vulto era Don Juan! III A CANÇÂO DE DON JUAN "Ó faces morenas! ó lábios de flor! Ouvi-me a guitarra que trina louçã, Vos tragou meu peito, meus beijos de amor Ó lábios de flor, Eu sou Don Juan! "Nas brisas da noite, no frouxo luar, Nos beijos do vento, na fresca manhã Dizei-me: não vistes, num sonho passar, Ao frouxo luar, Febril Don Juan? "Acordem, acordem, ó minhas donzelas, A brisa nas águas lateja de afã! Meus lábios têm fogo e as noites são belas Ó minhas donzelas, Eu sou Don Juan! "Ai! nunca sentistes o amor d'espanhol! Nos lábios mimosos de flor de romã Os beijos que queimam no fogo do sol! Eu sou o espanhol: Eu sou Don Juan! "Que amor, que sonhos no febril passado! Que tantas ilusões no amor ardente! E que pálidas faces de donzela Que por mim desmaiaram docemente! "Eu era o vendaval que às flores puras Do amor nas manhãs o lábio abria! Se murchei-as depois... é que espedaça As flores da montanha a ventania! "E tão belas, meu Deus! as níveas pérolas Mergulhei-as no lodo uma por uma, De meus sonhos de amor nada me resta! Em negras ondas só vermelha escuma! "Anjos que desflorei! que desmaiados Na torrente lancei do lupanar! Crianças que dormiam no meu peito E acordaram da mágoa ao soluçar! "E não tremem as folhas no sussurro, E as almas não palpitam-se de afã, Quando entre a chuva rebuçado passa Saciado de beijos Don Juan?" IV Como virgem que sente esmorecer Num hálito de amor a vida bela, Que desmaia, que treme... Como virgem nas lentas agonias Os seus olhos azuis aos céus erguendo Co'as mãos níveas no seio... Pressentindo que o sangue lhe resfria E que nas faces pálidas a beija O anjo da agonia... Exala ainda o canto harmonioso... Casuarina pendida onde sussurra O anoitecer da vida... Assim nos lábios e nas cordas meigas Do palpitante bandolim a mágoa Gemia como o vento... Como o cisne que bóia, que se perde... Na lagoa da morte geme ainda O cântico saudoso! Mas depois no silêncio uma risada Convulsiva arquejou... rompeu as cordas Das ternas assonias, Rompeu-as e sem dó... e noutras fibras Corria os dedos descuidoso e frio Salpicando-as d'escárnio... V "Os homens semelham as modas de um dia, E velha e passada A roupa manchada... Porém quem diria Que é moda de um dia, Que é velho Don Juan?! "Os anos que passem nos negros cabelos Branqueiem de neve As c'roas que teve! Dizei, anjos belos De negros cabelos, Se é velho Don Juan! "E quando no seio das trêmulas belas De noite suspira E nuta e delira... Que digam pois elas As trêmulas belas Se é velho Don Juan! "Que o diga a sultana, a violenta espanhola, A loira alemã E grega louçã... Que o diga a espanhola Que a noite consola... Se é velho Don Juan! "........................................................... ............................................................." VI Era longa a canção... Cantou; e o vento Nos ciprestes com ele esmorecia! Pendeu a fronte, os lábios Emudeceram... como cala o vento Do trópico na podre calmaria... Cismava Don Juan.
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