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  • Anima mea (Álvares de Azevedo)
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  • Quando nas sestas do verão saudoso A sombra cai nos laranjais do vale, Onde o vento adormece e se perfuma... E os raios d'oiro, cintilando vivos, Como chuva encantada se gotejam Nas folhas do arvoredo recendente, Parece que de afã dorme a natura E as aves silenciosas se mergulham No grato asilo da cheirosa sombra. E é tão doce dormir! é tão suave Da modorra no colo embalsamado Um momento tranqüilo deslizar-se! Criaturas de Deus se peregrinam Invisíveis na terra, consolando As almas que padecem... certamente Que são anjos de Deus que aos seios tomam A fronte do poeta que descansa!
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  • Anima mea
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notas
  • .
Autor
  • Álvares de Azevedo
abstract
  • Quando nas sestas do verão saudoso A sombra cai nos laranjais do vale, Onde o vento adormece e se perfuma... E os raios d'oiro, cintilando vivos, Como chuva encantada se gotejam Nas folhas do arvoredo recendente, Parece que de afã dorme a natura E as aves silenciosas se mergulham No grato asilo da cheirosa sombra. E que silêncio então pelas campinas!... A flor aberta na manhã mimosa E que os estos do sol d'estio murcham Cerra as folhas doridas e procura Da grama no frescor doentio leito. É doce então das folhas no silêncio Penetrar o mistério da floresta, Ou reclinado à sombra da mangueira Um momento dormir, sonhar um pouco! Ninguém que turve os sonhos de mancebo, Ninguém que o indolente adormecido Roube das ilusões que o acalentam E do mole dormir o chame à vida! E é tão doce dormir! é tão suave Da modorra no colo embalsamado Um momento tranqüilo deslizar-se! Criaturas de Deus se peregrinam Invisíveis na terra, consolando As almas que padecem... certamente Que são anjos de Deus que aos seios tomam A fronte do poeta que descansa! Ó floresta! ó relva amolecida, A cuja sombra, em cujo doce leito É tão macio descansar nos sonhos! Arvoredos do vale! derramai-me Sobre o corpo estendido na indolência O tépido frescor e o doce aroma! E quando o vento vos tremer nos ramos E sacudir-vos as abertas flores Em chuva perfumada, concedei-me Que encham meu leito, minha face, a relva... Onde o mole dormir a amor convida! E tu, Ilná, vem pois! deixa em teu colo Descanse teu poeta: é tão divino Sorver as ilusões dos sonhos ledos, Sentindo à brisa teus cabelos soltos Meu rosto encherem de perfume e gozo! Tudo dorme, não vês? dorme comigo, Pousa na minha tua face bela E o pálido cetim da tez morena... Fecha teus olhos lânguidos... no sono Quero sentir os túmidos suspiros No teu seio arquejar, morrer nos lábios... E no sono teu braço me enlaçando! Ó minha noiva, minha doce virgem, No regaço da bela natureza, Anjo de amor, reclina-te e descansa! Neste berço de flores tua vida Límpida e pura correrá na sombra, Como gota de mel em cálix branco Da flor das selvas que ninguém respira. Além, além nas árvores tranqüilas Uma voz acordou como um suspiro... São ais sentidos de amorosa rola Que nos beijos de amor palpita e geme? Ah! nem tão doce a rola suspirando Modula seus gemidos namorados, Não trina assim tão longa e molemente... Em argentinas pérolas o canto Se exala como as notas expirantes De uma alma de mulher que chora e canta... É a voz do sabiá: ele dormia Ebrioso de harmonia e se embalava No silêncio, na brisa e nos eflúvios Das flores de laranja... Ilná, ouviste? É o canto saudoso da esperança, É dos nossos amores a cantiga Que o aroma que exalam teus cabelos, Tua lânguida voz... talvez lhe inspiram! Vem, Ilná, dá-me um beijo: adormeçamos... A cantilena do sabiá sombrio Encanta as ilusões, afaga o sono... Ó! minha pensativa, descuidosa, Eu sinto a vida bela em teu regaço, Sinto-a bela nas horas do silêncio Quando em teu colo me reclino e durmo... E ainda os sonhos meus vivem contigo! Ah! vem, ó minha Ilná: sei harmonias Que a noite ensina ao violão saudoso E que a lua do mar influi na mente; E quando eu vibro as cordas tremulosas, Como alma de donzela que respira, Coa nas vibrações tanta saudade, Tanto sonho de amor esvaecido... Que o terno coração acorda e geme E os lábios do poeta inda suspiram! Anjo do meu amor! se os ais da virgem Têm doçuras, têm lágrimas divinas, É quando, no silêncio e no mistério, Sobre o peito do amante se derramam No sufocado alento os moles cantos... — Cantos de amor, de sede e d'esperanças Que nos lábios febris lhe afoga um beijo! Ouves, Ilná?... meu violão palpita: Quero lembrar um cântico de amores... Fora doce ao poeta, teu amante, Nos ais ardentes das maviosas fibras Ouvir os teus alentos de mistura E as moles vibrações da cantilena Este meu peito remoçar um pouco! Virgem do meu amor vem dar-me ainda Um beijo! um beijo longo, transbordando De mocidade e vida; e nos meus sonhos Minh'alma acordará — sopro errabundo Da alma da virgem tremerá meus seios... E a doce aspiração dos meus amores No condão da harmonia há de embalar-se!
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