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  • O Gigante de Pedra
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  • Gigante orgulhoso, de fero semblante, Num leito de pedra lá jaz a dormir! Em duro granito repousa o gigante, Que os raios somente puderam fundir. Dormido atalaia no serro empinado Devera cuidoso, sanhudo velar; O raio passando o deixou fulminado, E à aurora, que surge, não há de acordar! Co'os braços no peito cruzados nervosos, Mais alto que as nuvens, os céus a encarar, Seu corpo se estende por montes fragosos, Seus pés sobranceiros se elevam do mar! Vem a noite após o dia, Vem o silêncio, o frescor, E a brisa leve e macia, Que lhe suspira ao redor; IV
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  • O Gigante de Pedra
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Autor
  • Gonçalves Dias
abstract
  • Gigante orgulhoso, de fero semblante, Num leito de pedra lá jaz a dormir! Em duro granito repousa o gigante, Que os raios somente puderam fundir. Dormido atalaia no serro empinado Devera cuidoso, sanhudo velar; O raio passando o deixou fulminado, E à aurora, que surge, não há de acordar! Co'os braços no peito cruzados nervosos, Mais alto que as nuvens, os céus a encarar, Seu corpo se estende por montes fragosos, Seus pés sobranceiros se elevam do mar! De lavas ardentes seus membros fundidos Avultam imensos: só Deus poderá Rebelde lançá-lo dos montes erguidos, Curvados ao peso, que sobre lhe 'stá. E o céu, e as estrelas e os astros fulgentes São velas, são tochas, são vivos brandões, E o branco sudário são névoas algentes, E o crepe, que o cobre, são negros bulcões. Da noite, que surge, no manto fagueiro Quis Deus que se erguesse, de junto a seus pés, A cruz sempre viva do sol no cruzeiro, Deitada nos braços do eterno Moisés. Perfumam-no odores que as flores exalam, Bafejam-no carmes de um hino de amor Dos homens, dos brutos, das nuvens que estalam, Dos ventos que rugem, do mar em furor. E lá na montanha, deitado dormido Campeia o gigante, — nem pode acordar! Cruzados os braços de ferro fundido, A fronte nas nuvens, os pés sobre o mar! Banha o sol os horizontes, Trepa os castelos dos céus, Aclara serras e fontes, Vigia os domínios seus: Já descai p'ra o ocidente, E em globo de fogo ardente Vai-se no mar esconder; E lá campeia o gigante, Sem destorcer o semblante, Imóvel, mudo, a jazer! Vem a noite após o dia, Vem o silêncio, o frescor, E a brisa leve e macia, Que lhe suspira ao redor; E da noite entre os negrores, Das estrelas os fulgores Brilham na face do mar: Brilha a lua cintilante, E sempre mudo o gigante, Imóvel, sem acordar! Depois outro sol desponta, E outra noite também, Outra lua que aos céus monta, Outro sol que após lhe vem: Após um dia outro dia, Noite após noite sombria, Após a luz o bulcão, E sempre o duro gigante, Imóvel, mudo, constante Na calma e na cerração! Corre o tempo fugidio, Vem das águas a estação, Após ela o quente estio; E na calma do verão Crescem folhas, vingam flores, Entre galas e verdores Sazonam-se frutos mil; Cobrem-se os prados de relva, Murmura o vento na selva, Azulam-se os céus de anil! Tornam prados a despir-se, Tornam flores a murchar, Tornam de novo a vestir-se, Tornam depois a secar; E como gota filtrada De uma abóbada escavada Sempre, incessante a cair, Tombam as horas e os dias, Como fantasmas, sombrias, Nos abismos do porvir! E no féretro de montes Inconcusso, imóvel, fito, Escurece os horizontes O gigante de granito. Com soberba indiferença Sente extinta a antiga crença Dos Tamoios, dos Pajés; Nem vê que duras desgraças, Que lutas de novas raças Se lhe atropelam aos pés! E lá na montanha deitado dormido Campeia o gigante! — nem pode acordar! Cruzados os braços de ferro fundido, A fronte nas nuvens, e os pés sobre o mar!... IV Viu primeiro os íncolas Robustos, das florestas, Batendo os arcos rígidos, Traçando homéreas festas, À luz dos fogos rútilos, Aos sons do murmuré! E em Guanabara esplêndida As danças dos guerreiros, E o guau cadente e vário Dos moços prazenteiros, E os cantos da vitória Tangidos no boré. E das igaras côncavas A frota aparelhada, Vistosa e formosíssima Cortando a undosa estrada, Sabendo, mas que frágeis, Os ventos contrastar: E a caça leda e rápida Por serras, por devesas, E os cantos da janúbia Junto às lenhas acesas, Quando o tapuia mísero Seus feitos vai narrar! E o germe da discórdia Crescendo em duras brigas, Ceifando os brios rústicos Das tribos sempre amigas, — Tamoi a raça antígua, Feroz Tupinambá. Lá vai a gente impróvida, Nação vencida, imbele, Buscando as matas ínvias, Donde outra tribo a expele; Jaz o pajé sem glória, Sem glória o maracá. Depois em naus flamívomas Um troço ardido e forte, Cobrindo os campos úmidos De fumo, e sangue, e morte, Traz dos reparos hórridos D'altíssimo pavês: E do sangrento pélago Em míseras ruínas Surgir galhardas, límpidas As portuguesas quinas, Murchos os lises cândidos Do impróvido gaulês! Mudaram-se os tempos e a face da terra, Cidades alastram o antigo paul; Mas inda o gigante, que dorme na serra, Se abraça ao imenso cruzeiro do sul. Nas duras montanhas os membros gelados, Talhados a golpes de ignoto buril, Descansa, ó gigante, que encerras os fados, Que os términos guardas do vasto Brasil. Porém se algum dia fortuna inconstante Puder-nos a crença e a pátria acabar, Arroja-te às ondas, o duro gigante, Inunda estes montes, desloca este mar!
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