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  • Panteísmo (Álvares de Azevedo)
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  • Eu creio, amigo, que a existência inteira É um mistério talvez: mas n'alma sinto, De noite e dia respirando flores, Sentindo as brisas, recordando aromas E esses ais que ao silêncio a sombra exala E enchem o coração de ignota pena, Como a íntima voz de um ser amigo... Que essas tardes e brisas, esse mundo Que na fronte do moço entorna flores, Que harmonias embebem-lhe no seio, Têm uma alma também que vive e sente...
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  • Panteísmo
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notas
  • .
Autor
  • Álvares de Azevedo
abstract
  • Eu creio, amigo, que a existência inteira É um mistério talvez: mas n'alma sinto, De noite e dia respirando flores, Sentindo as brisas, recordando aromas E esses ais que ao silêncio a sombra exala E enchem o coração de ignota pena, Como a íntima voz de um ser amigo... Que essas tardes e brisas, esse mundo Que na fronte do moço entorna flores, Que harmonias embebem-lhe no seio, Têm uma alma também que vive e sente... A natureza bela e sempre virgem, Com suas galas gentis na fresca aurora, Com suas mágoas na tarde escura e fria... E essa melancolia e morbideza Que nos eflúvios do luar ressumbra, Não é apenas uma lira muda Onde as mãos do poeta acordam hinos E a alma do sonhador lembranças vibra. Por essas fibras da natura viva, Nessas folhas e vagas, nesses astros, Nessa mágica luz que me deslumbra E enche de fantasia até meus sonhos, Palpita porventura um almo sopro, — Espírito do céu que as reanima! E talvez lhes murmura em horas mortas Estes sons de mistério e de saudade, Que lá no coração repercutidos O gênio acordam que enlanguesce e canta! Eu o creio, Luís! também às flores Entre o perfume vela uma alma pura, Também o sopro dos divinos anjos Anima essas corolas setinosas! No murmúrio das águas no deserto, Na voz perdida, no dolente canto Da ave de arribação das águas verdes, No gemido das folhas na floresta, Nos ecos da montanha, no arruído Das folhas secas que estremece o outono, Há lamentos sentidos, como prantos Que exala a pena de subida mágoa. E Deus? — eu creio nele como a alma Que pensa e ama nessas almas todas, Que as ergue para o céu e que lhes verte, Como orvalho noturno em seus ardores, O amor, sombra do céu, reflexo puro Da auréola das virgens de seu peito! Essa terra, esse mundo, o céu e as ondas, Flores, donzelas — essas almas cândidas, Beija-as o senhor Deus na fronte límpida, Arreia-as de pureza e amor sem nódoa... E à flor dá a ventura das auroras, Os amores do vento que suspira... Ao mar a viração, o céu às aves, Saudades à alcion, sonhos à virgem E ao homem pensativo e taciturno, À criatura pálida que chora — Essa flor que ainda murcha tem perfumes, Esse momento que suaviza os lábios, Que eterniza na vida um céu de enleio... O amor primeiro das donzelas tristes. São idéias talvez... Embora riam Homens sem alma, estéreis criaturas, Não posso desamar as utopias, Ouvir e amar, à noite, entre as palmeiras, Na varanda ao luar o som das vagas, Beijar nos lábios uma flor que murcha, E crer em Deus como alma animadora Que não criou somente a natureza, Mas que ainda a relenta em seu bafejo, Ainda influi-lhe no sequioso seio De amor e vida a eternal centelha! Por isso, ó meu amigo, à meia-noite Eu deito-me na relva umedecida, Contemplo o azul do céu, amo as estrelas, Respiro aromas... e o arquejante peito Parece remoçar em tanta vida, Parece-me alentar-se em tanta mágoa, Tanta melancolia! e nos meus sonhos, Filho de amor e Deus, eu amo e creio!
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