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| - Assim de Aquiles e seu pai fizera, Dizem, outrora a lança portentosa: Sarava o corpo, que cruel rompera. Damos costas à estância desditosa, Sem proferir palavra atravessando Sobre a borda, que em torno jaz fragosa. Noite não sendo e dia não reinando, Pouco distante eu divisar podia, Eis som de trompa escuto, retumbando Tão alto, que o trovão transcenderia, Donde irrompera contra a parte andava E sôfrego a um só ponto olhos prendia. A de Orlando tão forte não soava Na derrota fatal, que a santa empresa De Carlos Magno o desbarato dava. Já assim por diante: eis a grandeza De muitas e altas torres me aparece. Qual é — digo — essa vasta fortaleza? Pois de tão longe e em trevas te apetece Julgar — Virgílio diz — um erro agora Imaginando estejas acontece. Verás ali chegado, sem demora, Quanto a distância a vista nos engana: O passo acelerar convém por ora. Da mão travou-me e em voz suave e lhana O Mestre prosseguiu: Antes que avante Passes, dessa ilusão te desengana. O que torre imaginas é gigante. Da cinta aos pés imergem-se no poço, E alçam bustos em torno ao espaço hiante. Quando o sol gasta o nevoeiro grosso, Pouco a pouco se mostra e é discernido Quanto oculta o vapor ao olhar nosso: Vendo assim por esse ar escurecido, Da borda mais e mais me apropinquando, Fugia o erro, o horror tinha crescido. Como torres em roda se elevando, Montereggion guarnecem de coroa: Assim do poço a margem circundando, Torreiam com metade da pessoa Os horríveis gigantes, que ameaça Do céu ainda Jove, quando troa. Distingo a cara de um (e me transpassa O medo), logo os braços, peitos e parte Do ventre, que da borda a altura passa. Bem fez a natureza, quando essa arte De tais monstros criar há descurado, De iguais agentes desarmando Marte. Se ainda a selva e mar têm povoado Do elefante e baleia, sutilmente Quem pensa justa e sábia a tem julgado. Mal seria aos humanos permanente, Se perspicaz engenho encaminhasse Maligno instinto em robustez ingente. Larga e comprida, pareceu-me a face, Qual de S. Pedro, em Roma, a brônzea pinha: A proporção nas outras partes dá-se. O corpo, que da borda acima vinha, Tanto ao ar elevava a grã figura, Que três Frisões, por lhe atingir a linha Da cerviz, não fariam tanta altura, Porquanto eu esmava em trinta grande palmos Do colo ao pescoço a válida estatura. Rafael mai amècch zabi almos A pavorosa boca assim bradava; Não podia entoar mais doces salmos. Disse-lhe o Mestre: Ó alma bruta e brava! Tange a trompa, se queres lenitivo À paixão, que te acende ardente lava. A roda busca do pescoço altivo O loro, a que se prende alma confusa! Vê que te cruza o vasto peito esquivo. Depois a mim: De quanto fez se acusa, É Nemrod; por tomar estulta empresa O mundo uma linguagem só não usa. Deixêmo-lo: falar-lhe é vã despesa. Como idioma de outros não compreende, A quem o escuta o seu move estranheza. Vamos então caminho, que se estende À sestra. Outro, de besta quase a tiro, Está mais fero, o ar mais alto fende. Que mão cativa o monstro, que admiro Dizer não sei: o seu direito braço Ao dorso preso vi, e ao peito diro O outro, de grilhão no estreito laço, Que com círculos cinco lhe cercava Do enorme corpo o descoberto espaço. Esse réprobo — diz Virgílio — ousava Medir forças com Jove soberano: Eis o fruto do orgulho, que o danava! Era Efialto: executou seu plano, Quando aos Deuses gigantes aterraram. Jamais os braços mover pode o insano. Os meus olhos, ó Mestre, assaz folgaram, De Briaréu se vissem desmarcado As formas vozes minhas lhe tornaram. Anteu verás, — me diz — muito afamado: Stá solto, fala e nos demora perto, Há de ao fundo levar-nos de bom grado. Remoto esse outro fica, e tem por certo Que em grilhões e estatura àquele iguala: Mais fero em vulto, em mal é mais esperto. Jamais um terremoto a torre abala Em convulsões tão rápido, tão forte, Como Efialto a mover-se. Eu já sem fala, Assombrado, cuidei ter perto a morte; E de pavor sem dúvida expirara, Se ele preso não fosse, e de tal sorte. Presto ao lugar seguimos, onde pára Anteu: fora a cabeça, em cinco braças À borda sobreleva, o que separa. Tu, que no val feliz, aonde as graças E as palmas de Cipião colheu da glória, Quando Aníbal vexavam só desgraças, Mil leões apresaste por memória; Que, aos irmãos se ajudaras na alta guerra, Se crê triunfo registrasse a história Dos fortes filhos da fecunda Terra! Ao fundo transportar-nos sê servido, Onde ao Cocito o frio as águas cerra: Te hemos a Tifo e a Tício preferido. Dar pode este varão o que mais se ama: Curvando-te compraz ao seu pedido. No mundo pode restaurar-te a fama, Pois vive e ainda longa vida espera, Salvo se a Graça antes do tempo o chama. Falara o Mestre. Anteu não considera: Toma-o logo nas mãos, que lesto of?rece E a que sentira Alcide a força fera. Quando entre os dedos seus Virgílio vê-se, Diz-me: Faze-te prestes, que eu te abrace! S Ao Mestre o meu querer pronto obedece. Quem Carisenda, em seu pendor olhasse, Cuidara, ao passar nuvem, que iminente Ruína ao lado oposto ameaçasse: Tal Anteu parecia de repente Do corpo ao menear; quando o inclinava, Estrada eu preferia diferente. Mas de leve no fundo nos pousava, De Judas e de Lúcifer assento. A postura deixando, que o dobrava, Qual mastro empertigou-se num momento.
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