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  • A Divina Comédia/Inferno/XXVI
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  • Entre os ladrões, ó cousa vergonhosa! Principais cinco achei, que em ti nasceram: Serás por honra tal, vangloriosa? Se os veros sonhos por manhã se geram, Em breve hás de sentir o que os de Prato, Quanto mais outros, por teu dano esperam. Presto que venha, será tarde o fato; Se o mal tem de ferir, fira apressado: Mais velho me há de ser mais grave e ingrato. Partimos: do rochedo alcantilado Os degraus, em que havíamos descido, Sobe o Mestre e por ele eu fui levado. Em nosso ermo caminho e desabrido Prosseguimos por entre agras fraguras, Pelas mãos sendo o pé favorecido.
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  • Inferno, Canto XXVI
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  • por Dante Alighieri, tradução de José Pedro Xavier Pinheiro
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  • Entre os ladrões, ó cousa vergonhosa! Principais cinco achei, que em ti nasceram: Serás por honra tal, vangloriosa? Se os veros sonhos por manhã se geram, Em breve hás de sentir o que os de Prato, Quanto mais outros, por teu dano esperam. Presto que venha, será tarde o fato; Se o mal tem de ferir, fira apressado: Mais velho me há de ser mais grave e ingrato. Partimos: do rochedo alcantilado Os degraus, em que havíamos descido, Sobe o Mestre e por ele eu fui levado. Em nosso ermo caminho e desabrido Prosseguimos por entre agras fraguras, Pelas mãos sendo o pé favorecido. Inda nalma exacerbam-se amarguras, Do que hei visto lembranças avivando; E, quanto posso, o coração nas puras Veredas da virtude vou guiando, Por que o bem, por bom astro ou Deus doado, Eu próprio não converta em mal nefando. O rústico, no outeiro reclinado, Na estação, em que o sol o mundo aclara, Mais lhe mostrando o seu semblante amado, Já quando a mosca o sucessor depara, Pririlampos não vê tão numerosos No vale, onde vindima, ou ceifa ou ara, Quando, no fosso oitavo, os temerosos Fogos, que avisto, dos que, ao cimo alçado, Fito no fundo os olhos curiosos. Como aquele que de ursos foi vingado, Quando voou de Elia o carro ardente, Ao céu por frisões ígneos transportado, Seguiu c’a vista o lume, que somente Dos ares na extensão aparecia, Qual nuvens se elevando velozmente; Assim naquele abismo se agitando As flamas via; em cada qual estava Uma alma, em seus fulgores se ocultando. Para ver, lá da ponte, me inclinava: Se amparado da rocha eu não stivesse, Tombara ao fundo dessa hiante cava. O Mestre, ao ver que a mente se embevece, “Em cada fogo” — diz-me — “um condenado, Como em hábito, envolto, arde e padece”. “Sou, te ouvindo” — tornei — “certificado Do que era, há pouco, em mim simples suspeita. Pretendia inquirir, maravilhado, Que significa o fogo, que endireita A nós, e se partindo, iguala a pira, Para imigos irmãos outrora feita”. — “Estão lá dentro dessa flama dira Diômedes e Ulisses: em castigo Sócios são, como outrora hão sido em ira. “Lá dentro geme o pérfido inimigo, Inventor do cavalo, que foi porta, Por onde a Roma veio o início antigo; “Chora-se a fraude, que Deidamia morta, Ainda exprobra a Aquiles, ressentida; Pelo Paládio a pena se suporta”. “Se à labareda, ó Mestre, é permitida A fala” — eu disse — “te suplico e rogo Com instância, mil vezes repetida, “Aguardar me concedas esse fogo, Que, bipartido para nós caminha. Vês meu anelo: ah! dá-lhe o desafogo!” “Merece toda a complacência minha Teu rogo: eu de bom grado o atendo e aceito. Mas cala-te; que hás de ser contente asinha. “Falar me deixa; sei qual teu conceito, Talvez que desses Gregos na alma esquiva Produza o teu dizer ingrato efeito”. Propínqua estando a nós a flama viva, E, asado ao Mestre, parecendo o ensejo, Nesta linguagem disse persuasiva: “Ó vós, que nesse fogo eu juntos vejo, Se por serviços meus, quando vivia, Revelei de aprazer-vos o desejo, “Nos sonoros versos que escrevia, Detende-vos: benévolo um nos diga Onde viu fenecer o extremo dia”. A parte superior da flama antiga A tremular começa murmurando, Como a que o vento lhe assoprando instiga. E a um lado e a outro o cimo meneando, Como se língua fora, que falasse, Estas vozes profere, e diz-nos: “Quando “De Circe a encantos me esquivei fugace, Em que um ano passei junto a Gaeta, Antes que assim Enéias a chamasse, “A saudade do filho, a mui dileta Velhice de meu pai, de alta consorte Santo amor, em que ardia sempre inquieta, “Não dominaram esse anelo forte Que me impulsava a ser do mundo esperto, Das manhas das nações, da humana sorte. “Lancei-me às vagas do alto mar aberto; Sobre um só lenho me seguiu companha De poucos, mas de afouto peito e certo. “As ondas perlustrando, hei visto a Espanha, Marrocos, logo a ínsula dos Sardos E as outras que o cerúleo pego banha. “Já da velhice nos sentidos tardos, Alfim chegamos ao famoso estreito, Onde Alcides aos nautas pôs resguardos, “Que devem respeitar por seu proveito. Deixei Septa, que jaz ao esquerdo lado, E Sevilha, que ao lado está direito. “Perigos mil vencendo e avesso fado” Lhes disse — “irmãos, chegastes ao Ponente! Da existência este resto, já minguado, “Razão não seja, que vos tolha a mente De além do sol, tentar nobre aventura, E o mundo ver, que jaz órfão de gente. “Da vossa raça refleti na altura! Viver quais brutos veda-o vossa origem! De glória vos impele ambição pura! “Com tanto esforço os ânimos se erigem, Falar me ouvindo assim, que ir por diante De entusiasmo sôfregos, exigem. “Já, com popa ao Nascente flamejante, Asas os remos são na empresa ousada, E o lenho sempre à esquerda voga avante. “Já do outro polo a noite levantada, Via os astros brilhar: o nosso, entanto, Na planície imergia-se salgada: “Cinco vezes a luz do etéreo manto A lua difundira e após minguara, Depois que arrosto do oceano o espanto, “Quando imensa montanha se depara: Envolta em cerração, longe aparece; Na altiveza outra igual nunca avistara. “O prazer nosso em pranto se esvaece: Da nova terra eis súbito irrompendo Contra o lenho um tufão medonho cresce. “Vezes três em voragens o torcendo, A quarta a popa levantou-lhe ao alto, E a proa, ao querer de outrem, foi descendo”. Cerrou-se o pego sobre nós de salto.
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