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  • A Divina Comédia/Paraíso/XIV
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  • Isto que digo a mente me visita Súbito, quando o esp?rito glorioso De Tomás suspendeu a voz bendita, Por semelhar-se ao efeito poderoso Da sua voz e ao que Beatriz causava, Quando assim disse em tom grave e donoso: “O que saber este homem precisava Com voz não disse, e, se o cogita, o ignora: De outra verdade com raiz se trava. “A auréola, dizei-lhe, em que se inflora A substância, que é vossa eternamente, Convosco há de existir, bem como agora? “Se este esplendor em vós é permanente, Quando visíveis fordes, ressurgindo, A vista sofrerá luz tão fulgente?” — Com a altura, se eleva o puro encanto.
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  • Paraíso, Canto XIV
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  • por Dante Alighieri, tradução de José Pedro Xavier Pinheiro
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  • Isto que digo a mente me visita Súbito, quando o esp?rito glorioso De Tomás suspendeu a voz bendita, Por semelhar-se ao efeito poderoso Da sua voz e ao que Beatriz causava, Quando assim disse em tom grave e donoso: “O que saber este homem precisava Com voz não disse, e, se o cogita, o ignora: De outra verdade com raiz se trava. “A auréola, dizei-lhe, em que se inflora A substância, que é vossa eternamente, Convosco há de existir, bem como agora? “Se este esplendor em vós é permanente, Quando visíveis fordes, ressurgindo, A vista sofrerá luz tão fulgente?” — Como em coréia as vozes vão subindo E recresce a alegria, algum motivo De alvoroço aos dançantes sobrevindo, Assim aos santos círculos mais vivo Júbilo mostram no girar, no canto Ante o rogo piedoso e compassivo. Quem, por chegar a morte, sente espanto, Para lograr no céu viver divino, Da eterna chuva desconhece o encanto. Quem sempre reina, é uno, é duplo, é trino, Em três, em dois, em um sempre perdura, Não abrangido — e tudo abrange — em hino De tão suave e cônsona doçura Dos coros foi três vezes aclamado, Que um prêmio fora da virtude pura. No lume, de fulgor mais sinalado, Ouvi, do menor círc?lo voz modesta, Como a do arcanjo à Virgem deputado. — “Quanto no Paraíso eterna a festa Há de ser, tanto o nosso amor vestido Será de luz em torno manifesta. “O brilho seu do ardor há procedido E o ardor da visão, que é tão gozosa, Quanto a Graça o valor faz mais subido. “E quando a carne santa e gloriosa Revestirmos, será nossa pessoa Completa e mais jucunda e mais ditosa. “E o gratuito lume, que nos doa O Sumo Bem, será mais rutilante: A Glória sua a ver nos afeiçoa. “A visão se fará mais penetrante, Mor o ardor se fará que ali se acende, E o esplendor, que este dá, mais coruscante. “Qual carvão, que de si flamas desprende E pelo vivo ardor as escurece Tanto, que entre elas seu rubor resplende, “Este doce fulgor, que em nós parece, Ver deixará o corpo ressurgido, Quando o sono, em que jaz um dia cesse. “Nenhuma será das luzes ofendido: Starão corpóreos órgãos adaptados A quanto a deleitar-nos for provido.” — Os coros dois tão ledos e apressados Responderam — amém — que bem mostraram Quanto os trajos carnais são desejados. Não por si sós talvez os cobiçaram, Mas por amor dos pais, de entes queridos, Antes que ternas flamas se tornaram. Eis, em torno, de lumes incendidos Novo círculo aos outros se acrescenta: Qual nitente horizonte, os tem cingidos. E como, quando à tarde a sombra aumenta, No céu começam de assomar estrelas, Cuja luz dúbia aos olhos se apresenta, Assim me pareceu que via aquelas Novas substâncias, que, também girando, Moviam-se em redor das c?roas belas. Vero fulgor do Esp?rito Santo! Oh! quando Te mostraste de súbito, candente, Os olhos meus venceste, deslumbrando. Mas Beatriz tão bela e tão ridente Rebrilhou, que a visão maravilhosa, Bem como outras, seguir não pode a mente. Aos olhos força deu tão poderosa, Que se alçaram; e com ela transportado Vi-me à esfera mais alta e luminosa. Fui da minha ascensão certificado Da purpurina estrela pelo gesto, Em que rubor notei não costumado. Nesse falar, a todos manifesto Do coração, a Deus vivo holocausto, Por sua nova graça, humilde presto. Do peito meu não era ainda exausto Do sacrifício o ardor, que convencido De estar aceito fui, e ser-me fausto. Tão lúcidas, tão rubras, confundido Vi luzes em dois raios fulgurantes, Que disse — Ó Hélios, como os tens vertido! — Galáxia, em astros mais, menos brilhantes Branqueja, entre dois pólos colocados, E os doutos deixa em dúvida hesitantes: De igual maneira em Marte constelados O signo os raios formam venerando, Diâmetros iguais sendo cruzados. Me está memória o engenho superando: Se na cruz lampejar eu via Cristo, Como acertar, exemplos procurando? Quem toma a Cruz e na jornada Cristo Segue, desculpe o que falta em arte, Vendo nesse esplendor rutilar Cristo. Da cruz em cada braço, em toda parte Cintilantes mil fogos se moviam; Qual desce, qual se eleva, qual desparte. Assim sutis argueiros se veriam, Retos ou curvos, rápidos ou lentos, De formas, que multíplices variam, De Sol em réstea que entra os aposentos, Onde da calma o homem se repara Apurando do engenho e da arte inventos; E como da harpa e lira se depara Nas cordas várias doce melodia A quem notas ignora e não compara; Assim desses luzeiros que ali via Na Cruz formosa, extático escutava, Sem comprendê-la, angélica harmonia. Que eram altos louvores bem julgava Ressuscita e triunfa — acaso ouvindo: Confusamente o hino me soava. Ouvia em tanto enlevo me sentindo, Que inda não sinto cousa que mais queira, A mente ao canto em doce enleio, unindo. Ousado sou talvez desta maneira, Parecendo pospor os olhos belos, Em que a minha alma se embevece inteira. Mas quem reflete que os eternos selos Vão da beleza no alto se apurando, E aos olhos não voltava-me por vê-los, À falta me achará perdão, notando A verdade que digo: o prazer santo Não excluo que em vê-la ia gozando; Com a altura, se eleva o puro encanto.
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