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Itália (Álvares de Azevedo)
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Lá na terra da vida e dos amores Eu podia viver inda um momento... Adormecer ao sol da primavera Sobre o colo das virgens de Sorrento ! Eu podia viver — e porventura Nos luares do amor amar a vida, Dilatar-se minh'alma como o seio Do pálido Romeu na despedida! Eu podia na sombra dos amores Tremer num beijo o coração sedento... Nos seios da donzela delirante Eu podia viver inda um momento! Ó anjo de meu Deus! se nos meus sonhos Não mentia o reflexo da ventura, E se Deus me fadou nesta existência Um instante de enlevo e de ternura... II Maio, 1851. — S. Paulo
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Lá na terra da vida e dos amores Eu podia viver inda um momento... Adormecer ao sol da primavera Sobre o colo das virgens de Sorrento ! Eu podia viver — e porventura Nos luares do amor amar a vida, Dilatar-se minh'alma como o seio Do pálido Romeu na despedida! Eu podia na sombra dos amores Tremer num beijo o coração sedento... Nos seios da donzela delirante Eu podia viver inda um momento! Ó anjo de meu Deus! se nos meus sonhos Não mentia o reflexo da ventura, E se Deus me fadou nesta existência Um instante de enlevo e de ternura... Lá entre os laranjais, entre os loureiros, Lá onde a noite seu aroma espalha, Nas longas praias onde o mar suspira Minh'alma exalarei no céu da Itália! Ver a Itália e morrer!... Entre meus sonhos Eu vejo-a de volúpia adormecida... Nas tardes vaporentas se perfuma E dorme, à noite, na ilusão da vida! E, se eu devo expirar nos meus amores, Nuns olhos de mulher amor bebendo, Seja aos pés da morena Italiana, Ouvindo-a suspirar, inda morrendo. Lá na terra da vida e dos amores Eu podia viver inda um momento, Adormecer ao sol da primavera Sobre o colo das virgens de Sorrento! II A Itália! sempre a Itália delirante! E os ardentes saraus, e as noites belas! A Itália do prazer, do amor insano, Do sonho fervoroso das donzelas! E a gôndola sombria resvalando Cheia de amor, de cânticos e flores... E a vaga que suspira à meia-noite Embalando o mistério dos amores! Ama-te o sol, ó terra da harmonia, Do levante na brisa te perfumas: Nas praias de ventura e primavera Vai o mar estender seu véu d'escumas! Vai a lua sedenta e vagabunda O teu berço banhar na luz saudosa, As tuas noites estrelar de sonhos E beijar-te na fronte vaporosa! Pátria do meu amor! terra das glórias Que o gênio consagrou, que sonha o povo... Agora que murcharam teus loureiros Fora doce em teu seio amar de novo... Amar tuas montanhas e as torrentes E esse mar onde bóia alcion dormindo, Onde as ilhas se azulam no ocidente, Como nuvens à tarde se esvaindo... Aonde à noite o pescador moreno Pela baía no batel se escoa... E murmurando, nas canções de Armida, Treme aos fogos errantes da canoa... Onde amou Rafael, onde sonhava No seio ardente da mulher divina, E talvez desmaiou no teu perfume E suspirou com ele a Fornarina... E juntos, ao luar, num beijo errante Desfolhavam os sonhos da ventura E bebiam na lua e no silêncio Os eflúvios de tua formosura! Ó anjo de meu Deus, se nos meus sonhos A promessa do amor me não mentia, Concede um pouco ao infeliz poeta Uma hora da ilusão que o embebia! Concede ao sonhador, que tão-somente Entre delírios palpitou d'enleio, Numa hora de paixão e de harmonia Dessa Itália do amor morrer no seio! Oh! na terra da vida e dos amores Eu podia sonhar inda um momento, Nos seios da donzela delirante Apertar o meu peito macilento Maio, 1851. — S. Paulo