. "Dona Eul\u00E1lia"@pt . . "Dona Eul\u00E1lia"@pt . "Quando cheguei, a casa mortu\u00E1ria estava cheia de gente. No centro da sala, forrada de preto, havia uma essa entre quatro enormes tochas acesas, e sobre a essa um caix\u00E3o, dentro do qual D. Eul\u00E1lia dormia o \u00FAltimo sono. J\u00E1 tinha passado a hora do saimento. Faltava apenas o padre. O padre n\u00E3o aparecia. O vi\u00FAvo, comovido, mas calmo, perfeitamente calmo, perguntou a um parente, que pelos modos tinha se encarregado do enterro: \u2014 Ent\u00E3o?.. . esse padre?.. \u2014 J\u00E1 c\u00E1 devia estar. O Tio Eus\u00E9bio quer que eu v\u00E1 busc\u00E1-lo? \u2014 \u00C9 favor, Casuza. E o parente saiu muito apressado. Dez minutos depois, o Ens\u00E9bio aproximou-se de mim e disse-me baixinho: \u2014 E nada de padre! Estava escrito que este dia n\u00E3o passava para mim sem alguma contrariedade... Imagem:Separator.jpg Justifiquemos esse grito do cora\u00E7\u00E3o. O Eus\u00E9bio n\u00E3o foi um marido feliz; D. Eul\u00E1lia, que tinha muito mau g\u00EAnio, transformara-lhe a vida num verdadeiro inferno. O pobre homem n\u00E3o tinha voz ativa dentro de casa; era repreendido como um f\u00E2mulo quando entrava mais tarde; devia dar contas de um n\u00EDquel, de um miser\u00E1vel n\u00EDquel que lhe desaparecesse do bolso! Apesar de casado havia j\u00E1 quinze anos, ele n\u00E3o se pudera habituar a essa exist\u00EAncia rid\u00EDcula, e sentia-se envelhecer prematuramente na alma e no corpo. N\u00E3o tinha filhos, - e era melhor assim, porque com certeza, D. Eul\u00E1lia n\u00E3o lhos perdoaria. Pensava bem: pudesse ela contrariar a natureza, e fecund\u00E1-lo-ia, para humilh\u00E1-lo ainda mais! Imagem:Separator.jpg Durante os primeiros tempos de regime conjugal, o Eus\u00E9bio tentou reagir contra o mau g\u00EAnio de D. Eul\u00E1lia; num dia, por\u00E9m, que lhe falou mais alto e lhe bateu o p\u00E9, recebeu em troca uma tremenda bofetada, cujo estalo ressoou em todo o quarteir\u00E3o. Durante quinze dias a vizinhan\u00E7a n\u00E3o se ocupou de outra coisa. O marido que apanha da cara metade est\u00E1 perdido; o que apanha e chora, est\u00E1 irremessivelmente perdido. O Eus\u00E9bio apanhou e chorou... Daquele dia em diante foi-se-lhe toda a autoridade marital: tornou-se em casa um manequim, um pax vobis, um jo\u00E3o-ningu\u00E9m. Era, entretanto, um homem simp\u00E1tico, virtuoso, apreciad\u00EDssimo por numerosos amigos e muito conceituado na reparti\u00E7\u00E3o de onde tirava o necess\u00E1rio para que nada faltasse a D. Eul\u00E1lia. Imagem:Separator.jpg De todas as ma\u00E7adas a que estava afeito o nosso Eus\u00E9bio, nenhuma o ralava tanto como a de procurar cozinheira, o que lhe acontecia a mi\u00FAdo, porque, gra\u00E7as ao mau g\u00EAnio da dona da casa, a cozinha estava constantemente abandonada. Como as impertin\u00EAncias de D. Eul\u00E1lia j\u00E1 tinham fama no bairro, e nenhuma criada queria servir aquela ama, o Eus\u00E9bio era obrigado a procurar cozinheira muito longe de casa. O que ele queria era alug\u00E1-la, mas bem sabia que, na venda, a rec\u00E9m-chegada seria logo posta ao corrente de tais impertin\u00EAncias. Imagem:Separator.jpg Um dia o pobre marido foi muito cedo arrancado da cama pela mulher. \u2014 Levante-se, tome banho, vista-se e v\u00E1 procurar uma cozinheira! \u2014 Qu\u00EA!... pois a Maria...? \u2014 Acabo de p\u00F4-la no olho da rua! \u2014 Por qu\u00EA? \u2014 N\u00E3o \u00E9 da sua conta! Mexa-se!... \u2014 Uma cozinheira que n\u00E3o estava em casa h\u00E1 oito dias!... \u2014 Basta de observa\u00E7\u00F5es! Quem manda aqui sou eu! Vamos! vista-se! E nada de ag\u00EAncias, hem? olhe que se me traz cozinheira de ag\u00EAncia, n\u00E3o passa da porta da rua! Imagem:Separator.jpg Nesse dia o Eus\u00E9bio teria purgado todos os seus pecados, se os tivera, e se D. Eul\u00E1lia n\u00E3o fosse j\u00E1 um purgat\u00F3rio bastante. O pobre-diabo, que morava no Rio Comprido, foi, levado por informa\u00E7\u00F5es, procurar uma cozinheira em S\u00E3o Francisco Xavier. J\u00E1 estava alugada; entretanto, l\u00E1 lhe disseram que no Morro do Pinto havia outra, muito boa, que lhe devia servir. O desgra\u00E7ado almo\u00E7ou numa casa de pasto, encheu-se de coragem e subiu o Morro do Pinto. A cozinheira n\u00E3o estava em casa; tinha ido passar uns dias com uma parenta, na Rua de Sorocaba, em Botafogo; mas um vizinho aconselhou o Eus\u00E9bio a que n\u00E3o adiasse a dilig\u00EAncia; a mulher trabalhava primorosamente em forno e fog\u00E3o, era morigerada e estava morta por achar emprego. Abalou o Eus\u00E9bio para Botafogo, e encontrou, efetivamente, a mulher na Rua de Sorocaba, em casa da parenta, pronta j\u00E1 para sair. Por pouco mais, a viagem teria sido baldada. Era uma mulata quarentona, muito limpa, de um aspecto simp\u00E1tico e humilde, que \u00E0 primeira vista inspirava certa confian\u00E7a. Ela, pelo seu lado, simpatizou com o Eus\u00E9bio, a julgar pela prontid\u00E3o com que se ajustaram. \u2014 Bem; amanh\u00E3 l\u00E1 estarei, meu patr\u00E3o. \u2014 Amanh\u00E3, n\u00E3o: h\u00E1 de ser hoje, porque se entro em casa sem cozinheira, minha mulher... O Eus\u00E9bio interrompeu-se - ia deitando tudo a perder, - e emendou: ... minha mulher, que \u00E9 muito boa senhora, mas nem sempre acredita no que eu digo, h\u00E1 de supor que me remanchei. \u2014 Nesse caso, meu patr\u00E3o, \u00E9 preciso que eu v\u00E1 primeiramente ao Morro do Pinto. \u2014 Pois vamos ao Morro do Pinto... respondeu resignado o resignado Eus\u00E9bio. Imagem:Separator.jpg Era quase noite fechada, quando o infeliz marido, fatigad\u00EDssimo, doente, sem jantar, entrou em casa acompanhado da mulata. D. Eul\u00E1lia recebeu-o com duas pedras na m\u00E3o: \u2014 Onde esteve o senhor metido at\u00E9 estas horas? oh! que coisa ruim... que homem insuport\u00E1vel... S\u00F3 a minha paci\u00EAncia!... \u2014 A senhora n\u00E3o calcula como me custou encontrar esta mulher, mas, enfim... parece que desta vez ficamos bem servidos. \u2014 Pois sim, resmungou D. Eul\u00E1lia, - v\u00E3o ver que \u00E9 alguma vagabunda! E, voltando-se para a mulata, disse-lhe com a sua habitual arrog\u00E2ncia: \u2014 Chegue-se mais! N\u00E3o gosto de gritar e quero que me ou\u00E7am! A cozinheira aproximou-se com um sorriso humilde de subalterna. \u2014 Como se chama? perguntou D. Eul\u00E1lia. \u2014 Eul\u00E1lia. \u2014 Eul\u00E1lia?! \u2014 Eul\u00E1lia, sim, senhora! \u2014 Eul\u00E1lia?! Rua! Rua! E voltando-se para o marido: \u2014 Pois o senhor tem a pouca vergonha de trazer para casa uma cozinheira com o mesmo nome que eu? Que desaforo!... \u2014 Mas, senhora. \u2014 Cale-se! N\u00E3o seja burro! Imagem:Separator.jpg Creio que o Eus\u00E9bio est\u00E1 justificado: a morte de D. Eul\u00E1lia n\u00E3o poderia contrari\u00E1-lo. (Contos Fora da Moda)"@pt . "Quando cheguei, a casa mortu\u00E1ria estava cheia de gente. No centro da sala, forrada de preto, havia uma essa entre quatro enormes tochas acesas, e sobre a essa um caix\u00E3o, dentro do qual D. Eul\u00E1lia dormia o \u00FAltimo sono. J\u00E1 tinha passado a hora do saimento. Faltava apenas o padre. O padre n\u00E3o aparecia. O vi\u00FAvo, comovido, mas calmo, perfeitamente calmo, perguntou a um parente, que pelos modos tinha se encarregado do enterro: \u2014 Ent\u00E3o?.. . esse padre?.. \u2014 J\u00E1 c\u00E1 devia estar. O Tio Eus\u00E9bio quer que eu v\u00E1 busc\u00E1-lo? \u2014 \u00C9 favor, Casuza. E o parente saiu muito apressado. Imagem:Separator.jpg Imagem:Separator.jpg"@pt . "Artur de Azevedo"@pt . . .